I. A Evolução do
Direito do Consumidor
O
Direito do Consumidor é obra relativamente recente na Doutrina e na Legislação.
Tem seu surgimento como ramo do Direito, principalmente, na metade deste
século. Porém, indiretamente encontramos contornos deste segmento do Direito
presente, de forma esparsa, em normas das mais diversas, em várias
jurisprudências e, acima de tudo, nos costumes dos mais variados países. Porém,
não era concebido como uma categoria jurídica distinta e, também, não recebia a
denominação que hoje apresenta.
Altamiro José dos
Santos destaca o Código de Hamurabi (2300 a .C.). Este já em seu tempo regulamentava
o comércio, de modo que o controle e a supervisão se encontravam a cargo do
palácio. O que demonstrava que se existia preocupação com o lucro abusivo é
porque o consumidor já estava tendo seus interesses resguardados. Santos lembra
que:
"consoante
a" lei "235 do Código de Hamurabi, o construtor de barcos estava
obrigado a refazê-lo em caso de defeito estrutural, dentro do prazo de até um
ano (...)" (Santos, 1987. p. 78-79).
Desta norma podemos
supor uma noção dos vícios redibitórios. Havia também regras contra o
enriquecimento em detrimento de outrem ("lei" 48), bem assim a
modificabilidade unilateral dos desajustes por desequilíbrio nas prestações, em
razão de forças da natureza.
Os interesses dos
consumidores já estavam resguardados na Mesopotâmia, no Egito Antigo e na Índia
do Século XVIII a.C., onde o Código de Massú previa pena de multa e punição,
além de ressarcimento de danos, aos que adulterassem gêneros ("lei"
967) ou entregassem coisa de espécie inferior à acertada ou, ainda, vendessem
bens de igual natureza por preços diferentes ("lei" 968).
No Direito Romano
Clássico, o vendedor era responsável pelos vícios da coisa, a não ser que estes
fossem por ele ignorados. Porém, no Período Justinianeo, a responsabilidade era
atribuída ao vendedor, mesmo que desconhecesse do defeito. As ações
redibitórias e quanti minoris eram instrumentos, que amparadas à Boa-Fé
do consumidor, ressarciam este em casos de vícios ocultos na coisa vendida. Se
o vendedor tivesse ciência do vício, deveria, então, devolver o que recebeu em
dobro.
"no período
romano, de forma indireta, diversas leis também atingiam o consumidor, tais
como: a Lei Sempcônia de 123 a .C.,
encarregando o Estado da distribuição de cereais abaixo do preço de mercado; a
Lei Clódia do ano 58 a .C.,
reservando o benefício de tal distribuição aos indigentes e; a Lei Aureliana,
do ano 270 da nossa era, determinando fosse feita a distribuição do pão
diretamente pelo Estado. Eram leis ditadas pela intervenção do Estado no
mercado ante as dificuldades de abastecimento havidas nessa época em Roma"
(Prux, 1998. p. 79).
De acordo com os
estudos de Waldírio Bulgarelli,
"pode-se
encontrar antecedentes os mais antigos: Aristóteles já se referia a manobras de
especuladores na Grécia Antiga, e em Roma atestam-no a Lex Julia de cemnoma, o
Édito de Diocleciano e a Constituição de Zenon" (Bulgarelli, apud Prux,
1998. p. 79).
Há estudos que
apontam depoimentos de Cícero (Século I a.C.) assegurando a garantia sobre
vícios ocultos na compra-venda no caso do vendedor prometer que a mercadoria
era dotada de determinadas qualidades e estas serem inexistentes.
"Pirenne, no
comentário de sua obra cobrindo o século XIII, é bastante elucidativo no
subtítulo - Proteção ao consumidor - ao escrever que a disciplina imposta ao
artesão tinha naturalmente por objeto assegurar a qualidade dos produtos
fabricados. Neste sentido – acrescenta textualmente o mestre gaulês - também
favorecia o consumidor" (SIDOU, apud PRUX, 1998. p. 781).
A França de Luiz XI
(1481) punia com banho escaldante aquele que vendesse manteiga com pedra no
interior para aumentar o peso, ou leite com água para aumentar o volume.
O jurista português Carlos Ferreira Almeida
afirma que no Direito Português:
"os códigos
penais de 1852 e o vigente de 1886 (...), reprimindo certas práticas comerciais
desonestas, protegiam indiretamente interesses dos comerciantes: sob o título
genérico de crimes contra a saúde pública, punem-se certos actos de venda de
substâncias venenosas e abortivas (art. 248º) e fabrico e venda de gêneros
alimentícios nocivos à saúde pública (art. 251º); consideram-se criminosas
certas fraudes nas vendas (engano sobre a natureza e sobre a quantidade das
coisas – art. 456); tipificava-se ainda como crime a prática do monopólio,
consistente na recusa de venda de gêneros para uso público (art. 275º) e
alteração dos preços que resultariam da natural e livre concorrência,
designadamente através de coligações com outros indivíduos, disposições revogadas
por legislação da época corporativista, que regrediu em relação ao liberalismo
consagrado no código penal" (ALMEIDA,1982. p. 40).
Na Suécia, a primeira
legislação protetora do consumidor foi em 1910.
Já nos EUA, em 1914,
criou-se a Federal Trade Commission, que tinha o objetivo de aplicar a lei
antitruste e proteger os interesses do consumidor. Também nos EUA, em 1773, em
seu período de colônia, o episódio contra o imposto do chá no porto de Boston (Boston
Tea Party) é um registro de uma manifestação de reação dos consumidores
contra as exigências exorbitantes do produtor inglês.
A Revolução americana
de 1776 foi uma revolução do consumidor. Pois nas palavras de Miriam de Almeida Souza , foi
uma revolução
"contra o
sistema mercantilista de comércio britânico colonial da época, no qual os
consumidores americanos eram obrigados a comprar produtos manufaturados na
Inglaterra, pelos tipos e preços estabelecidos pela metrópole, que exercia o
seu monopólio. (...) Samuel Adams, uma figura marcante no episódio do chá no
porto de Boston, que, já em 1785 na República, reforçou as seculares
"assizes" (Leis do Pão), da antiga metrópole, apontando sua
assinatura na lei que proibia qualquer adulteração de alimentos no estado de
Massachusetts" (SOUZA, 1996. p. 51).
Pode-se notar que
esta lei representa um marco histórico na luta pelo respeito aos direitos do
consumidor.
No Brasil, o Direito
do Consumidor surgiu entre as décadas de 40 e 60, quando foram sancionados
diversas leis e decretos federais legislando sobre saúde, proteção econômica e
comunicações. Dentre todas, pode-se citar: a Lei n. 1221/51, denominada Lei de
Economia Popular; a Lei Delegada n. 4/62; a Constituição de 1967 com a emenda
n. 1/69, que consagrou a defesa do consumidor; e a Constituição Federal de 1988,
que apresenta a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica (art.
170) e no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT),
que expressamente determinou a criação do Código de Defesa do consumidor.
II. O Surgimento do
Direito do Consumidor do Prisma da Evolução do Estado Liberal
O Estado Liberal
surgiu no século XVIII em contraposição ao Estado absoluto e veio assegurar
o indivíduo em face
do Estado. O Estado Liberal tem como características o poder
limitado; os direitos individuais e políticos; a defesa da livre incitava e
livre concorrência e a não intervenção do Estado na esfera privada. Adam Smith,
um dos principais pensadores do liberalismo, afirmava:
"É suficiente
que deixemos o homem abandonado em sua iniciativa para que ao perseguir seu
próprio interesse promova o dos demais. O interesse privado é o motor da vida
econômica" (SMITH, apud DERANI, p.32).
Assim, neste período,
as leis eram feitas para dar sustentação ao liberalismo econômico. O Direito
regia-se pelos Princípios da Autonomia da Vontade, do Consensualismo e da
Obrigatoriedade Contratual.
No século XIX, com o
advento da Revolução Industrial, houve uma substituição da maquinofatura pela
máquina, as pessoas deixaram de trabalhar em casa e foram trabalhar nas
fábricas e ao redor destas surgiram os centros urbanos. As fábricas, devido à
automação incipiente das máquinas, não empregaram a grande parte da população,
gerando o desemprego e a conseqüente a exclusão social daqueles que estavam
desempregados. A grande procura por empregos gerou a desvalorização da
mão-de-obra. A liberdade contratual, instituída na Revolução Francesa, aliada a
grande oferta de trabalho, fazia com que as pessoas, para se manterem
empregadas, se submetessem à exploração. Concomitante a estes fatos, a livre incitava e livre
concorrência defendida pelos liberais não se concretizou, pois a concorrência
não se iniciava em condições iguais e as regras do jogo não eram respeitadas.
Com isso, algumas empresas que se enriqueceram, gerando uma concentração
econômica.
O Estado Social surge
no século XX como resposta à miséria e a exploração de grande parte da
população. O Estado Social tem como características o poder limitado, a
garantia os direitos individuais e políticos, acrescentando a estes os direitos
sociais e econômicos. Logo, o Estado passou a intervir na Economia para
promover justiça social. Nas Constituições promulgadas adotando esse modelo de
Estado, os direitos individuais eram mais importantes que os direitos sociais.
Estes foram regulados como normas pragmáticas, dependendo, então, de
regulamentação. Assim acorreu com a Constituição brasileira de 1988 que dispõe
que "o Estado promoverá na forma da lei, a defesa do consumidor".
Portanto, a Constituição Federal de 1988 exigiu que o Estado abandonasse a sua
posição de mero espectador da sorte do consumidor, para adotar um modelo
jurídico e uma política de consumo que efetivamente protegesse o consumidor.
Isso porque, o Código Civil, formulado segundo o pensamento liberal, trouxe o vício
redibitório como meio de proteção do consumidor. Esse meio, no entanto,
mostrou-se ineficaz para a proteção do consumidor.
O Código de Proteção
e Defesa do Consumidor, editado segundo os Princípios de um Estado Democrático
de Direito, em muito inovou em comparação com o Código Civil. Façamos, aqui,
uma comparação exemplificativa entre as regras deste e as do Código de Proteção
e Defesa do Consumidor. O Código Civil fala em coisas, objeto de
contratos comutativos e em bens e imóveis. Já o Código de Proteção e Defesa do
Consumidor fala em produtos, que seriam quaisquer bens móveis ou imóveis,
materiais ou imateriais, duráveis e não duráveis e em serviços. Outro ponto é
que o Código Civil fala em defeitos ocultos que tornem a coisa imprópria
para o uso ou diminuam o seu valor. Por sua vez o Código de Proteção e Defesa
do Consumidor acrescenta que o defeito pode até mesmo ser de fácil constatação
e que a coisa poderá ser enjeitada por não conferir com as especificações da
embalagem, do rótulo, da propaganda, etc. Além disso, o prazo decadencial para
substituir, devolver ou pedir abatimento do preço da coisa também foi ampliado
no Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
III. A Revolução
Industrial e O Direito do Consumidor
O período da
Revolução Industrial é de grande importância para o desenvolvimento do Direito
do Consumidor.
"Antes da era
industrial, o produtor-fabricante era simplesmente uma ou algumas pessoas que
se juntavam para confeccionar peças e depois trocar os objetos (bartering).
Com o crescimento da população e o movimento do campo para as cidades,
formam-se grupos maiores, a produção aumentou e a responsabilidade se
concentrou no fabricante, que passou a responder por todo o grupo" (SOUZA,
1996. p.48).
O advento da
Revolução Industrial foi responsável pelo crescimento da chamada produção em
massa. Devido a este movimento, a produção perdeu seu toque "pessoal"
e o intercâmbio do comércio ganhou proporções ainda mais despersonalizadas, já
que passaram a haver outros intermediários entre a produção e o consumo. Em
conseqüência disto,
"o produtor
precisava dar escoamento à produção, praticando, às vezes, atos fraudulentos,
enganosos, por isso mesmo, abusivos. A justiça social, então, entendeu ser
necessária a promulgação de leis para controlar o produtor-fabricante e
proteger o consumidor-comprador" (SOUZA, 1996. p. 48).
Acrescenta-se, ainda,
que "o produtor, via de regra, sempre se interessou mais pela parte
monetária do que com o produto, ou mesmo em satisfazer o consumidor"
(SOUZA, 1996. p. 48).
O crescimento e
contínuos avanços das tecnologias fizeram com que fossem inseridas na mente do
consumidor as idéias de que ele estava precisando de mais objetos que até o
momento nunca sentira necessidade de adquirir em sua vida cotidiana. O produtor
estava sempre interessado em formas para escoar sua produção e manter o fluxo
de produção-consumo. Logo, sentiu necessidade de estimular o consumidor a uma
necessidade, ainda que artificial, para manter o processo produtivo em
funcionamento. Criou-se, desta forma, o que o professor Thierry Bourgoignie, da
Faculdade de Direito da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, denomina
de "norma social do consumo", que:
"faz com que o
consumidor perca o controle individual das decisões de consumo e passe a ser
parte de uma classe, a "consommariat", conferindo claramente uma
dimensão social ao consumidor e ao ato de consumir" (BOURGOIGNIE, apud
SOUZA, 1996. p. 48).
IV. A Selva
O norte-americano
Upton Sinclair, em 1906, escreveu um romance chamado The Jungle (A Selva).
Este serviu para despertar no povo do seu país o mais vivo interesse pela
problemática do consumidor. Sinclair era um jovem jornalista, dotado de idéias
socialistas, que , no intuito de justificar e fundamentar suas reivindicações
proletárias, consistentes de melhorias de salário e de condições de trabalho,
disfarçou-se em operário para realizar suas observações na cidade de Chicago.
Em seu romance, ele retrata em cores ousadas e dramáticas o impacto social do
capitalismo industrial no começo do século XX.
"Os principais
personagens eram de uma família de camponeses lituanos que vieram trabalhar
pelos contos e fantasias de liberdade e pujança na América" (Souza, 1996.
p. 52).
Sinclair demonstra os
abusos cometidos pela industria da carne, ao descrever de forma bem realística
os alimentos deteriorados. Um exemplo é o seguinte trecho de sua obra:
"a carne
misturada com pedaços de tecidos esfarrapados e sujos, pães mofados, moídos
juntamente com os enchimentos das lingüiças vendidas em Chicago, embora
proibidas no comércio exterior" (SINCLAIR, apud SOUZA, 1996. p. 52).
O impacto da novela The
Jungle foi de um modo tão avassalador, que logo sofreu traduções para 17
idiomas. O romance acabou, também, por inspirar a elaboração de duas leis
federais nos EUA, que fortaleceram a fiscalização da pureza da carne, a Meat
Inspection Act e a Pure Food and Drug Act, de 1906.
V. O Direito do
Consumidor na Segunda Guerra Mundial e no Cenário do Pós-Guerra
Foi em plena Segunda Guerra
Mundial , quando a produção estava a serviço e controle do
Estado, que se despontava na América Keynesiasna o movimento em prol dos
direitos do consumidor. Mas curiosamente, foram o surgimento da mídia e as
conquistas tecnológicas que deram causa ao ressurgimento da defesa do consumidor.
"a guerra
intensificou a produção industrial em massa, e contribuiu para as grandes
invenções e o aprofundamento da produção em série. Todo o esforço da guerra
resultou, inevitavelmente, em aumento substancial de produção no posterior
tempo de paz. O know-how gerado para a guerra provocou, então um
crescimento em vários segmentos industriais, gerando um arsenal de produtos
surpérfulos e diversificados, em um mercado antes restrito somente ao
essencial. Com o advento da televisão, resultou da propaganda informativa o marketing
(desenvolvido em forma de propaganda de guerra), com o objetivo de escoar a
produção no mercado. Com isso, aumentaram os problemas relacionados à produção
e ao consumo, em face de uma competitividade altamente sofisticada por causa
das novas mídias e das próprias complexidades dos mercados surgidos no
pós-guerra, e do advento do marketing científico. Passou-se então a
praticar uma concorrência desleal, fortalecendo a tendência da formação dos
cartéis, trustes e oligopólios, o que sem dúvida, colaborou, dentre outros
motivos, para o agravamento dos problemas sociais e conflitivos urbanos em
decorrência da concentração de renda" (Souza, 1996. p. 54).
Podemos perceber que
esses problemas influenciaram sensivelmente a vida dos consumidores, quer seja
pela alta dos preços, queda na qualidade de vida ou aumento da poluição.
Após o período do
pós-guerra acontece o ressurgimento da cláusula rebus sic stantibus, o
que enfraquece o princípio da força obrigatória dos contratos. Esta restauração
se deu sob o nome de "teoria da imprevisão" e visava a quebra do
princípio do pacta sunt servanda. Esta quebra possibilitou o surgimento
do Direito do Consumidor, que se fundamentava a partir da responsabilidade
civil objetiva e do reconhecimento dos interesses e direitos difusos.
Orlando Gomes afirma
que:
"o princípio da
força obrigatória das convenções, pelo qual o juiz estava obrigado a fazer
cumprir os efeitos do contrato, quaisquer que fossem as circunstâncias ou as
conseqüências, está abalado. O legislador intervém, a cada instante, na
economia dos contratos, ditando medidas que, tendo aplicação imediata, alteram
os efeitos dos contratos anteriormente praticados, e vai se admitindo o poder
do juiz de adaptar seus efeitos às novas circunstâncias (cláusula rebus
sic stantibus), ou de exonerar o devedor do seu cumprimento, se ocorrer
imprevisão. Por fim, desde que os contratos são fonte de obrigações e estas
importam limitação da liberdade individual, entendia-se que os seus efeitos não
deveriam atingir a terceiros. O contrato era res inter alios acta. Mas
as necessidades sociais impuseram a quebra, ainda que excepcional, desse
princípio da relatividade dos efeitos do contrato, para a satisfação de certos
interesses coletivos privados" (GOMES, 1979. p. 105-106).
A partir das
iniciativas do presidente americano John Fitzgerald Kennedy, na década de 60,
houve a consolidação do Direito do Consumidor nos Estados Unidos. Dirigindo-se
por meio de uma mensagem especial ao Congresso Americano, em 1962, Kennedy
identificou os pontos mais importantes em torno da questão:
"(1) os bens e
serviços colocados no mercado devem ser sadios e seguros para os uso,
promovidos e apresentados de uma maneira que permita ao consumidor fazer uma
escolha satisfatória;
(2) que a voz do
consumidor seja ouvida no processo de tomada de decisão governamental que
detenha o tipo, a qualidade e o preço de bens e serviços colocados no mercado;
(3) tenha o
consumidor o direito de ser informado sobre as condições e serviços;
(4) e ainda o direito
a preços justos" (SOUZA, 1996. p. 56).
Seguindo o exemplo de
Kennedy, a Comissão de Direitos Humanos das nações Unidas, na sua 29ª Sessão em
1973, em Genebra, também reconheceu os princípios e chamou-os de Direitos
Fundamentais do Consumidor. Por sua vez, o programa Preliminar da Comunidade
Européia para uma Política de Proteção e Informação dos Consumidores dividia os
direitos fundamentais em cinco categorias:
"(1) proteção da
saúde e da segurança;
(2) proteção dos
interesses econômicos;
(3) reparação dos
prejuízos;
(4) informação e
educação;
(5) representação (ou
direito de ser ouvido)" (SOUZA, 1996, p. 56).
Em 1985, as Nações
Unidas, por meio da Resolução n.º 39/248, estabelece objetivos, princípios e
normas para que os governos membros desenvolvam ou reforcem políticas firmes de
proteção ao consumidor. Esta foi, claramente, a primeira vez que, em nível
mundial, houve o reconhecimento e aceitação dos direitos básicos do consumidor.
O Anexo 3 da Resolução mostra quais são os princípios gerais que serão tomados
como padrões mínimos pelos governos:
"(a) proteger o
consumidor quanto a prejuízos à sua saúde e segurança;
(b) fomentar e
proteger os interesses econômicos dos consumidores;
(c) fornecer aos
consumidores informações adequadas para capacita-los a fazer escolhas
acertadas, de acordo com as necessidades e desejos individuais;
(d) educar o
consumidor;
(e) criar
possibilidade de real ressarcimento ao consumidor;
(f) garantir a
liberdade para formar grupos de consumidores e outros grupos e organizações de
relevância e oportunidade para que estas organizações possam apresentar seus
enfoques nos processos decisórios a elas referentes" (SOUZA, 1996. p.57).
Miriam Souza lembra,
ainda, que:
"as Nações
Unidas também entendem como medida para a proteção dos consumidores o Código de
Conduta para as Firmas Transnacionais, projeto de ONU desde meados dos anos 60,
ponto de vista compartilhado pela Organização Internacional das Associações de
Consumidores (International Organization of Consumers Unions – IOCU), com sede
em Haia" (Souza, 1996. p. 57).
O IOCU é amplamente
respeitado entre as associações de consumidores no mundo. E sobre os direitos
do consumidor enumera:
"(1) segurança –
proteção contra produtos, processos e serviços nocivos à saúde ou à vida;
(2) informação –
conhecimento dos dados necessários para fazer escolhas e decisões informadas;
(3) escolha – acesso
a uma variedade de produtos e serviços com qualidade e preços competitivos;
(4) a ser ouvido –
exposição e consideração das perspectivas dos consumidores na formação das
políticas nacionais;
(5) indenização –
solução justa de queixas justas;
(6) educação –
aquisição dos conhecimentos e das habilidades necessárias para ser um
consumidor informado ao longo da vida;
(7) ambiente saudável
– ambiente físico apto a proporcionar melhor qualidade de vida agora e no
futuro" (SOUZA, 1996. p. 58).
A proteção do Direito
do Consumidor é de tamanha relevância, que muitos dos ordenamentos jurídicos,
inclusive o brasileiro, pela Constituição Federal de 1988, já consagram,
acolhendo a Resolução da ONU.
VI. A Constituição
Brasileira e O Direito do Consumidor
A questão dos
Direitos do Consumidor é tão importante que em três oportunidades distintas é
tratada na Constituição Federal vigente. A primeira vez, já em seu Capítulo I do
Título II, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos estabelece
a Carta magna, no artigo 5º, XXXII que "o Estado promoverá, na forma da
lei, a defesa do consumidor" o que quer dizer, em outras palavras, que o
Governo Federal tem a obrigação de defender o consumidor, de acordo com o que
estiver estabelecido nas leis.
A segunda vez que a
Constituição menciona a defesa do consumidor é quando trata dos princípios
gerais da atividade econômica no Brasil, citando em seu artigo 170, V, que a
defesa do consumidor é um dos princípios que devem ser observados no exercício
de qualquer atividade econômica.
Finalmente, o artigo
48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), determina que o
Congresso Nacional elabore o Código de Defesa do Consumidor.
Estes três
dispositivos constitucionais são mencionados no artigo 1º do Código de Defesa
do Consumidor.
José Geraldo Brito
Filomeno lembra que a sensibilização dos
"constituintes
de 1887/88, foi obtida por unanimidade na oportunidade do encerramento do VII
Encontro Nacional das (...) Entidades de Defesa Do Consumidor, desta feita
realizado em Brasília, por razões óbvias, no calor das discussões da Assembléia
Nacional Constituinte, e que acabou sendo devidamente protocolada e registrada
sob n.º 2.875, em 8-5-87, trazendo sugestões de redação, inclusive aos então
artigos 36 e 74 da Comissão "Afonso Arinos", com especial destaque
para a contemplação dos direitos fundamentais do consumidor (ao próprio
consumo, à segurança, à escolha, à informação, a ser ouvido, à indenização, à
educação para o consumo e a um meio ambiental saudável)." (FILOMENO, 1991.
p. 21-22).
Mas, o Código do
Consumidor é só o início. É o que alerta o jurista Fábio Konder Comparato:
"na verdade, a dialética produtor x consumidor é bem mais complexa
e delicada do que a dialética capital x trabalho" (grifo nosso)
(COMPARATO, apud SOUZA, 1996. p. 59).
ALMEIDA,
Carlos Ferreira. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Almeida, 1982.
DERANI, Cristiane.
Política Nacional das Relações de Consumo e o Código de Defesa do Consumidor. Revista
de Direito do Consumidor. n. 29.
FILOMENO, José
Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. São Paulo: Atlas, 1991.
GOMES, Orlando. Introdução
ao direito civil. Rio de Janeiro:Forense, 1979. 6 ed.
PRUX, Oscar Ivan. Responsabilidade
Civil do Profissional Liberal no Código de Defesa do Consumidor. Belo
Horizonte:Del Rey, 1998.
SANTOS, Altamiro José
dos. Direitos Do Consumidor. Revista do IAP. Curitiba, Instituto dos
Advogados do Paraná, 1987. n. 10.
Souza, Miriam de
Almeida. A Política legislativa do Consumidor no Direito Comparado. Belo
Horizonte: Edições Ciência Jurídica, 1996.
Os Estabelecimentos
bancários são hoje, sem dúvida alguma, um dos pilares mais importantes da
Sociedade Moderna. Relevância que decorre, principalmente, da possibilidade que
detêm de aumento, circulação e fomento de riquezas, garantindo aplicações
rentáveis ao capital, atualização dos recursos aplicados e possibilidade de
obtenção de novos recursos, tão necessários ao incremento e fomento de
atividades empresarias. E, também, porque direta ou indiretamente, as
atividades bancárias estão sempre envolvendo a vida quotidiana, do recebimento
de salários ou aposentadorias, passando pelo pagamento das mais diversas contas
até os empréstimos e financiamentos.
Como qualquer outro
estabelecimento comercial, visam, os Bancos, ao lucro, obtido principalmente no
spread cobrado. Ocorre que nem sempre a busca desse lucro, através do
resultado ótimo na relação: Recursos Obtidos empréstimo spread
apresenta-se de forma medida e aceitável.
Embora expressamente
definidos como fornecedores (art. 3º, §2º do CDC), grande é o debate
doutrinário sobre a incidência das normas de proteção ao consumidor nos
contratos firmados entre cliente e instituição bancária.
A oposição do setor
bancário a esse dispositivo é manifesta, sob o argumento de que não há como se
falar em relação de consumo nos contratos assinados entre o cliente (pessoa
física ou jurídica) e o Estabelecimento bancário. Defendendo essa posição
encontramos, por exemplo, o ilustre Profº Arnoldo Wald (1), sob o argumento que
não é possível que o crédito seja usado por um destinatário final, já que, por
sua própria natureza, destina- se à circulação como meio de pagamento (2). Por
outro lado, seria aplicável o CDC aos serviços bancários, como, por exemplo,
guarda de documentos e locação de cofres.
Há, entretanto,
outras posições, como a de Luiz Rodrigues Wambier (3), que afirma que os
contratos bancários estão sujeitos ao CDC, se caracterizada a relação de
consumo, isto é, que o contratante seja o próprio consumidor (inexistindo na
relação qualquer intermediário). Assim, "Se, todavia, o tomador dos
recursos se utilizou do montante obtido por meio de operação de crédito (em
sentido amplo) para a realização de atividades próprias, tanto de produção
quanto de consumo, estará efetivamente consumindo aqueles recursos e, com isso,
sujeitando a operação bancária ao crivo do CDC." (4) Wambier não aceita a
argumentação de Wald, e esclarece que o tomador do empréstimo é destinatário
final no sentido de que é o último destinatário daquela relação de consumo. Uma
vez que utilize os recursos constituirá outras relações completamente
desvinculadas da anterior (5).
Também admite aquela
aplicação José Geraldo Brito Filomeno (6) quando afirma que as instituições
financeiras prestam serviços lato sensu aos consumidores quer quando
prestam serviços aos seus clientes (cobrança de contas, expedição de extratos,
etc.) quer quando concedem mútuos ou financiamentos.
James Marins também é
da opinião de que todos os contratos bancários, inclusive aqueles que envolvem
operações financeiras de risco, estariam sujeitos ao CDC pois tratam-se de
atividades oferecidas ao público, no mercado de consumo, mediante remuneração.
A mesma opinião é compartilhada por Antônio Carlos Efing. Ambos os autores
baseiam-se na extensão conferida pelo art. 29 do CDC a todos aqueles
potencialmente atingidos por práticas abusivas, principalmente porque na
maioria dos casos tratam-se de contratos de adesão.
Wambier mais uma vez
discorda, principalmente porque o conceito de consumidor não seria tão
elástico, e se fosse realmente essa a interpretação adequada não haveria porquê
existir o conceito restrito de consumidor estabelecido pela própria lei. Para o
autor o que o art. 29 pretendia albergar seriam os entes despersonalizados
(massa falida, condomínio, etc.) quando em condições equiparáveis aos
consumidores.
Apesar da dignidade
dos argumentos, essa opinião não parece ser a mais adequada, uma vez que além
de expresso o dispositivo legal, não cabe ao intérprete criar restrições quando
a própria lei não o faz. Além disso, a extensão do art. 29 não é uma extensão a
todos e quaisquer casos, mas apenas àqueles em que se figura abusividade
contratual. Além disso, uma vez que os entes despersonalizados estejam em
situação equiparável ao consumidor estarão abrangidos pelo próprio caso do art.
2º.
Certo é que, uma vez
editada a Lei nº 8.078/90, muito argumentou-se que não se poderia aceitar sua
vigência nos contratos bancários, pois não seriam esses de consumo. Tal
argumento embasava-se no fato de que, como negociava-se crédito, não
sujeitando, desse modo, a relação ao disposto no Código de Defesa do
Consumidor, pois não haveria como se consumir o dinheiro e, portanto, não
poderia existir relação de consumo.
Primeiramente, cabe
lembrar que, de acordo com o disposto no art. 51 do Código Civil, dinheiro é um
bem consumível. Esta é a posição da melhor doutrina representada por Clóvis
Beviláqua (7): Ora, se o dinheiro é bem juridicamente consumível, o argumento
de que não pode haver relação de consumo envolvendo-o torna-se vazio. Conforme
comenta Wambier: "Sob esse argumento (ser destinatário final) não se podem
excluir da incidência das normas do CDC os contratos de crédito, cujos recursos
sejam tomados pelo consumidor para fazer frente as despesas de produção ou de
consumo, pois a circunstância de "gastar" esse dinheiro tomado do
banco não o inclui na cadeia de fornecedores." (8)
Além desse argumento,
aqueles que pretendem ver afastada a incidência do CDC aos contratos bancários,
alegam que não poderia haver destinatário final ao crédito. Deve-se reconhecer
que a principal função do crédito é a de meio de circulação das riquezas,
entretanto, negar que pode ser possuído em consumo final é esquecer-se de que
não se pode obrigar o "cliente" a manter consigo o crédito obtido. Na
verdade trata-se de duas relações distintas, como demonstra Wambier. A primeira
refere-se à relação de consumo entre o cliente e a instituição bancária, na
qual aquele é consumidor final do crédito obtido, e que pode ou não ser seguido
de outras relações. Obviamente, se o crédito obtido for utilizado como insumo
para o incremento da atividade empresarial do "cliente", não há que
se falar em relação de consumo, pois haverá relação de intermediação. Nada
impede, contudo, que se aplique a extensão do conceito de consumidor no caso do
art. 29 CDC.
Há ainda aqueles que
acreditam existir uma presunção iuris tantum de que o crédito obtido
será utilizado como fator de produção, não havendo consumo final por parte do
cliente. E que além disso só poderia se falar em abrangência pelo CDC
nos serviços, operações passivas (poupança e conta corrente sem concessão de
crédito, aplicações financeiras e contratos atípicos – custódia de valores,
aluguel de cofres, etc.).
Primeiramente deve-se
indagar o porquê da existência de uma presunção que indique que o crédito será
utilizado como meio de produção (não há qualquer resposta lógica neste
sentido). Poderia inclusive se dizer da existência da presunção contrária
frente, daí sim verdadeira, à presunção de fragilidade do consumidor. Em
segundo lugar não há porque se excluir as atividades bancárias ditas ativas
(9), visto que além do oferecimento do produto "crédito" há a
prestação de serviço (10) por parte do Estabelecimento bancário nas operações
bancárias ativas.
Este aliás é o ponto
de maior controvérsia no que concerne à aplicação do CDC às atividades
bancárias. A doutrina ainda não se assentou, e muito menos a jurisprudência,
sobre como tratar as operações bancárias fundamentais ativas. Como se depreende
da argumentação anteriormente exposta, o melhor entendimento é aquele que
aceita a incidência do CDC, desde que o consumidor não utilize o crédito como
insumo para atividade lucrativa outra (pois na verdade caracterizar-se-ia
intermediação). Entretanto, se o consumidor é o destinatário final desse
crédito, no sentido de que não o utilizará para criar ainda mais crédito, é pacífica
e indubitável sua abrangência pelo CDC. Até porque, não há critério lógico ou
legal para o descriminação entre as operações ativas e passivas, ambas
merecedoras da proteção consumerista.
Newton de Lucca
ensina que a origem do CDC está muito ligada aos abusos cometidos pela
instituições financeiras contra seus clientes. Para o ilustre Professor não se
pode, através da interpretação, chegar-se a um absurdo. Aceitar que o CDC não
se aplica aos Bancos permitir-lhes-ia a veiculação de propaganda enganosa, utilização
de cláusulas abusivas, etc. sem qualquer tipo de sanção.
Concluindo com a
clareza ímpar de Cláudia
Lima Marques, podemos afirmar que: "A caracterização do
banco ou instituição financeira como fornecedor está positivada no art. 3º, caput
do CDC e especialmente no § 2º do referido artigo, o qual menciona
expressamente como serviços as atividades de ‘natureza bancária, financeira, de
crédito’." E mais adiante: "A caracterização do banco ou instituição
financeira como fornecedor sob a incidência do CDC, é hoje pacífica." (11)
A mestre gaúcha acrescenta ainda: "O CDC rege as operações bancárias,
inclusive as de mútuo ou de abertura de crédito, pois relações de consumo.
O produto da empresa
banco é o dinheiro ou o crédito, bem juridicamente consumível, sendo, portanto,
fornecedora; e consumidor o mutuário ou creditado." (12)
Diante dos argumentos
trazidos pela melhor doutrina, não há como se negar a aplicação das regras
protetivas do Código de Defesa do Consumidor à atividade bancária e sua
operações, quer fundamentais (ativas e passivas), quer acessórias quando o
produto (crédito) for utilizado pelo destinatário final em atividade não
lucrativa (não caracterizando insumo) (13).
NOTAS
1.. WALD, Arnoldo. O
Direito do Consumidor e suas repercussões em relação às instituições
financeiras. In Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, Vol. 666, Abr.
1991, p.7-17.
2.. Nota o autor que
só haveria destinatário final em dois casos: o colecionador de moedas e quando
o BACEN retira de circulação moedas antigas.
3. WAMBIER, Luiz
Rodrigues. Os Contratos bancários e o Código de defesa do Consumidor. In
Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, Vol. 18, Abr./Jun. 1996,
p.125-132.
4. WAMBIER, Op. cit.,
p.127.
5. Em relação ao
contrato de abertura de crédito em conta corrente, argumenta o autor que o
destinatário final do recurso é o usuário que saca de sua conta corrente
"na medida em que ele efetivamente faz uso daquele serviço bancário
(ajuste concessivo de crédito rotativo) e utiliza os recursos assim obtidos
para si ou para sua família, ainda que na aquisição de outros bens e
serviços." (WAMBIER, Op. cit., p.130).
6. FILOMENO, José
Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. São Paulo: Atlas, 1991.
7. Código Civil
comentado. Francisco Alves, 1956. V. 1, p. 226.
8. WAMBIER, Op. cit.,
p.131.
9. Os bancos
desempenham uma série de negócios jurídicos com seus clientes visando ao lucro
(pois possuem intuito comercial). Esses negócios são denominados operações
bancárias, e podem ser classificadas em principais e acessórias. "As
operações bancárias fundamentais são representadas pela intermediação do
crédito, ou seja, pelo recolhimento e concessão de dinheiro. Estas se
subdividem em passivas – que têm como objetivo a arrecadação de fundos,
tornando o banco devedor do cliente; como exemplo, pode-se citar o depósito e
as contas-correntes – e ativas, que visam à colocação de crédito no mercado,
passando o banco a credor do cliente, consistindo nos empréstimos, aberturas de
crédito, descontos entre outros." (HOLTHAUSEN, Fábio Zabot. Aplicação do
Código de Defesa do Consumidor às Operações Bancárias. In Ajuris, Edição
Especial, Tomo II, p.710). As acessórias, por sua vez, são as que não
intermediam o crédito como cobrança de títulos e aluguel de cofres.
10. Recentemente o
Superior Tribunal de Justiça se manifestou em relação à aplicação do CDC aos
Bancos nos seguintes termos: "Os Bancos, como prestadores de serviços
especialmente contemplados no art. 3º, parágrafo segundo, estão submetidos às
disposições do Código de Defesa do Consumidor. A circunstância de o usuário
dispor do bem recebido através da operação bancária, transferindo-o a
terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, não o descaracteriza como
consumidor final dos serviços prestados pelo banco". (Resp nº 57.974-0-RS,
Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar). No mesmo sentido, Resp’s 163616/RS;
1757995/RS e 142799/RS.
11. MARQUES, Cláudia
Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3ªed, p.198/199.
12. MARQUES,
Contratos..., p.202.
13. Cabe destacar,
por fim, que Cláudia Lima Marques admite essa possibilidade quando
Em consequência da
revolução tecnológica, a produção e a comercialização se dissociaram,
resultando na evolução da produção em pequena escala para a produção em série.
Assim, dada a grande diversidade de produtos no mercado, aumentaram os riscos
ao público consumidor, provenientes de erros técnicos e falhas no processo
produtivo.
O sistema do Código
Civil, com berço no individualismo negocial, em que o mais importante era a
preservação do contrato, passou, assim, a não mais corresponder às expectativas
do mercado de consumo e do progresso tecnológico da produção em massa, sendo
que tais problemas só foram suprimidos com o advento do Código de Defesa do
Consumidor.
Ante a necessidade de
uma proteção mais ampla do consumidor na relação de consumo, a noção de vício
no CDC é bem mais eficiente do que a estabelecida pelo direito tradicional,
senão vejamos:
a)Para o CC as
expressões "vício" e "defeito" são equivalentes, enquanto
que no sistema do CDC "defeito" é vício mais dano à saúde ou
segurança, estando associado, portanto aos fatos do produto ou serviço e
"vício" está associado à deficiência de qualidade ou quantidade do
produto ou serviço.
b)Enquanto no CC
vigora a responsabilidade subjetiva pura, baseada na culpa do fornecedor, no
CDC a responsabilidade pelos vícios é subjetivo com presunção de culpa do
fornecedor, além da inversão do ônus da prova em favor do consumidor.
c)O CC não prevê a
solidariedade entre os fornecedores componentes da cadeia de produção e
comercialização, assim, o consumidor só pode acionar o fornecedor direito, com
quem contratou diretamente. Já no CDC o consumidor poderá acionar quaisquer dos
componentes da cadeia de produção e comercialização, seja o comerciante, o
fabricante, o distribuidor, ou todos eles conjuntamente.
d)Pelo CC, a
responsabilização pelos vícios da coisa, só é permitida se esta tiver sido
recebido em virtude de relação contratual (contratos comutativos ou doação com
encargo). No CDC, por sua vez, não há necessidade de haver relação contratual
entre o consumidor e o sujeito passivo demandado pelo vício do produto ou
serviço, afinal como já falamos, há solidariedade entre os componentes da
cadeia de fornecedores .
e)O CC não prevê
responsabilização pelos vícios aparentes ou de fácil constatação, abrangendo,
apenas, os ocultos. Além disso tais devem ser preexistentes ou contemporâneos à
entrega da coisa. No CDC, como vigora a vulnerabilidade do consumidor, e com o
objetivo de estabelecer-se o equilíbrio contratual, considera-se irrelevante
que o consumidor tenha ou não conhecimento do vício e tenha ele surgido antes
ou depois da tradição do produto, desde que dentro dos prazos decadenciais.
f)O CC não prevê
proteção aos vícios ocorridos na prestação de serviços, mas tão somente do
produto, enquanto que o CDC contempla ao consumidor as possibilidades de exigir
a reexecução do serviço, a restituição da quantia paga ou o abatimento do
serviço caso encontre-se responsabilidade do fornecedor de serviços pelos vício
de adequação (quantidade e qualidade).
g)No CC caso
comprovada a boa-fé (ignorância) do alienante será obrigado a restituir apenas
a coisa viciada, ou seja, a culpa não enseja a responsabilização pelos danos
materiais (lucro cessante + dano emergente) ou pessoais (morais), de maneira
que somente quando comprovada a má-fé aquele será responsabilizados por perdas
e danos. Já no CDC havendo relação de consumo, pouco importa o comprovação ou
não de má-fé do fornecedor, para obter-se a reparação integral (danos materiais
+ danos pessoais).
h)O CC só prevê duas
possibilidades de reparação: a ação redibitória (o contrato é levado a termo e
o comprador é restituído integralmente pelo pagamento) ou a ação estimatória (o
comprador obtém a redução do valor pago). No CDC as possibilidades estão
ampliadas, estabelecendo dentre as hipóteses a substituição do produto, a
restituição da quantia paga ou abatimento do preço, assim como, a possibilidade
da troca do produto por outro de espécie, marca ou modelo diverso, mediante
complementação ou restituição de eventual diferença de preço.
i)No CC os prazos de
prescrição e decadência são contados à partir da entrega da coisa (a prescrição
é de 15 dias para bem móvel e 6 meses para bem imóvel). Por sua vez, o CDC tais
prazos se iniciam a partir do momento em que o consumidor toma conhecimento do
vício ou do dano (a prescrição é de 5 anos).
BIBLIOGRAFIA
1 - CARNEIRO, Odete
Novais - Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço - São
Paulo: Editora RT, 1998
2 - JÚNIOR, Alberto
do Amaral - A responsabilidade pelos vícios dos Produtos no Código de Defesa
do Consumidor - Revista de Direito do Consumidor n. 03. Ed. RT: São Paulo,
1992.
3 - LISBOA, Roberto
Senise - Vício do Produto e a exoneração da responsabilidade. Revista de
Direito do Consumidor n. 05 - São Paulo: Ed. RT, 1993.
4 – DENARI, Zelmo - Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto - Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1999
Disponivel em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=716
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