quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Contexto Histórico Direito do Consumidor

I. A Evolução do Direito do Consumidor
          O Direito do Consumidor é obra relativamente recente na Doutrina e na Legislação. Tem seu surgimento como ramo do Direito, principalmente, na metade deste século. Porém, indiretamente encontramos contornos deste segmento do Direito presente, de forma esparsa, em normas das mais diversas, em várias jurisprudências e, acima de tudo, nos costumes dos mais variados países. Porém, não era concebido como uma categoria jurídica distinta e, também, não recebia a denominação que hoje apresenta.
Altamiro José dos Santos destaca o Código de Hamurabi (2300 a.C.). Este já em seu tempo regulamentava o comércio, de modo que o controle e a supervisão se encontravam a cargo do palácio. O que demonstrava que se existia preocupação com o lucro abusivo é porque o consumidor já estava tendo seus interesses resguardados. Santos lembra que:
"consoante a" lei "235 do Código de Hamurabi, o construtor de barcos estava obrigado a refazê-lo em caso de defeito estrutural, dentro do prazo de até um ano (...)" (Santos, 1987. p. 78-79).
Desta norma podemos supor uma noção dos vícios redibitórios. Havia também regras contra o enriquecimento em detrimento de outrem ("lei" 48), bem assim a modificabilidade unilateral dos desajustes por desequilíbrio nas prestações, em razão de forças da natureza.
Os interesses dos consumidores já estavam resguardados na Mesopotâmia, no Egito Antigo e na Índia do Século XVIII a.C., onde o Código de Massú previa pena de multa e punição, além de ressarcimento de danos, aos que adulterassem gêneros ("lei" 967) ou entregassem coisa de espécie inferior à acertada ou, ainda, vendessem bens de igual natureza por preços diferentes ("lei" 968).
No Direito Romano Clássico, o vendedor era responsável pelos vícios da coisa, a não ser que estes fossem por ele ignorados. Porém, no Período Justinianeo, a responsabilidade era atribuída ao vendedor, mesmo que desconhecesse do defeito. As ações redibitórias e quanti minoris eram instrumentos, que amparadas à Boa-Fé do consumidor, ressarciam este em casos de vícios ocultos na coisa vendida. Se o vendedor tivesse ciência do vício, deveria, então, devolver o que recebeu em dobro.
"no período romano, de forma indireta, diversas leis também atingiam o consumidor, tais como: a Lei Sempcônia de 123 a.C., encarregando o Estado da distribuição de cereais abaixo do preço de mercado; a Lei Clódia do ano 58 a.C., reservando o benefício de tal distribuição aos indigentes e; a Lei Aureliana, do ano 270 da nossa era, determinando fosse feita a distribuição do pão diretamente pelo Estado. Eram leis ditadas pela intervenção do Estado no mercado ante as dificuldades de abastecimento havidas nessa época em Roma" (Prux, 1998. p. 79).
De acordo com os estudos de Waldírio Bulgarelli,
"pode-se encontrar antecedentes os mais antigos: Aristóteles já se referia a manobras de especuladores na Grécia Antiga, e em Roma atestam-no a Lex Julia de cemnoma, o Édito de Diocleciano e a Constituição de Zenon" (Bulgarelli, apud Prux, 1998. p. 79).
Há estudos que apontam depoimentos de Cícero (Século I a.C.) assegurando a garantia sobre vícios ocultos na compra-venda no caso do vendedor prometer que a mercadoria era dotada de determinadas qualidades e estas serem inexistentes.
"Pirenne, no comentário de sua obra cobrindo o século XIII, é bastante elucidativo no subtítulo - Proteção ao consumidor - ao escrever que a disciplina imposta ao artesão tinha naturalmente por objeto assegurar a qualidade dos produtos fabricados. Neste sentido – acrescenta textualmente o mestre gaulês - também favorecia o consumidor" (SIDOU, apud PRUX, 1998. p. 781).
A França de Luiz XI (1481) punia com banho escaldante aquele que vendesse manteiga com pedra no interior para aumentar o peso, ou leite com água para aumentar o volume.
O jurista português Carlos Ferreira Almeida afirma que no Direito Português:
"os códigos penais de 1852 e o vigente de 1886 (...), reprimindo certas práticas comerciais desonestas, protegiam indiretamente interesses dos comerciantes: sob o título genérico de crimes contra a saúde pública, punem-se certos actos de venda de substâncias venenosas e abortivas (art. 248º) e fabrico e venda de gêneros alimentícios nocivos à saúde pública (art. 251º); consideram-se criminosas certas fraudes nas vendas (engano sobre a natureza e sobre a quantidade das coisas – art. 456); tipificava-se ainda como crime a prática do monopólio, consistente na recusa de venda de gêneros para uso público (art. 275º) e alteração dos preços que resultariam da natural e livre concorrência, designadamente através de coligações com outros indivíduos, disposições revogadas por legislação da época corporativista, que regrediu em relação ao liberalismo consagrado no código penal" (ALMEIDA,1982. p. 40).
Na Suécia, a primeira legislação protetora do consumidor foi em 1910.
Já nos EUA, em 1914, criou-se a Federal Trade Commission, que tinha o objetivo de aplicar a lei antitruste e proteger os interesses do consumidor. Também nos EUA, em 1773, em seu período de colônia, o episódio contra o imposto do chá no porto de Boston (Boston Tea Party) é um registro de uma manifestação de reação dos consumidores contra as exigências exorbitantes do produtor inglês.
A Revolução americana de 1776 foi uma revolução do consumidor. Pois nas palavras de Miriam de Almeida Souza, foi uma revolução
"contra o sistema mercantilista de comércio britânico colonial da época, no qual os consumidores americanos eram obrigados a comprar produtos manufaturados na Inglaterra, pelos tipos e preços estabelecidos pela metrópole, que exercia o seu monopólio. (...) Samuel Adams, uma figura marcante no episódio do chá no porto de Boston, que, já em 1785 na República, reforçou as seculares "assizes" (Leis do Pão), da antiga metrópole, apontando sua assinatura na lei que proibia qualquer adulteração de alimentos no estado de Massachusetts" (SOUZA, 1996. p. 51).
Pode-se notar que esta lei representa um marco histórico na luta pelo respeito aos direitos do consumidor.
No Brasil, o Direito do Consumidor surgiu entre as décadas de 40 e 60, quando foram sancionados diversas leis e decretos federais legislando sobre saúde, proteção econômica e comunicações. Dentre todas, pode-se citar: a Lei n. 1221/51, denominada Lei de Economia Popular; a Lei Delegada n. 4/62; a Constituição de 1967 com a emenda n. 1/69, que consagrou a defesa do consumidor; e a Constituição Federal de 1988, que apresenta a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica (art. 170) e no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que expressamente determinou a criação do Código de Defesa do consumidor.

II. O Surgimento do Direito do Consumidor do Prisma da Evolução do Estado Liberal
O Estado Liberal surgiu no século XVIII em contraposição ao Estado absoluto e veio assegurar o indivíduo em face do Estado. O Estado Liberal tem como características o poder limitado; os direitos individuais e políticos; a defesa da livre incitava e livre concorrência e a não intervenção do Estado na esfera privada. Adam Smith, um dos principais pensadores do liberalismo, afirmava:
"É suficiente que deixemos o homem abandonado em sua iniciativa para que ao perseguir seu próprio interesse promova o dos demais. O interesse privado é o motor da vida econômica" (SMITH, apud DERANI, p.32).
Assim, neste período, as leis eram feitas para dar sustentação ao liberalismo econômico. O Direito regia-se pelos Princípios da Autonomia da Vontade, do Consensualismo e da Obrigatoriedade Contratual.
No século XIX, com o advento da Revolução Industrial, houve uma substituição da maquinofatura pela máquina, as pessoas deixaram de trabalhar em casa e foram trabalhar nas fábricas e ao redor destas surgiram os centros urbanos. As fábricas, devido à automação incipiente das máquinas, não empregaram a grande parte da população, gerando o desemprego e a conseqüente a exclusão social daqueles que estavam desempregados. A grande procura por empregos gerou a desvalorização da mão-de-obra. A liberdade contratual, instituída na Revolução Francesa, aliada a grande oferta de trabalho, fazia com que as pessoas, para se manterem empregadas, se submetessem à exploração. Concomitante a estes fatos, a livre incitava e livre concorrência defendida pelos liberais não se concretizou, pois a concorrência não se iniciava em condições iguais e as regras do jogo não eram respeitadas. Com isso, algumas empresas que se enriqueceram, gerando uma concentração econômica.
O Estado Social surge no século XX como resposta à miséria e a exploração de grande parte da população. O Estado Social tem como características o poder limitado, a garantia os direitos individuais e políticos, acrescentando a estes os direitos sociais e econômicos. Logo, o Estado passou a intervir na Economia para promover justiça social. Nas Constituições promulgadas adotando esse modelo de Estado, os direitos individuais eram mais importantes que os direitos sociais. Estes foram regulados como normas pragmáticas, dependendo, então, de regulamentação. Assim acorreu com a Constituição brasileira de 1988 que dispõe que "o Estado promoverá na forma da lei, a defesa do consumidor". Portanto, a Constituição Federal de 1988 exigiu que o Estado abandonasse a sua posição de mero espectador da sorte do consumidor, para adotar um modelo jurídico e uma política de consumo que efetivamente protegesse o consumidor. Isso porque, o Código Civil, formulado segundo o pensamento liberal, trouxe o vício redibitório como meio de proteção do consumidor. Esse meio, no entanto, mostrou-se ineficaz para a proteção do consumidor.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, editado segundo os Princípios de um Estado Democrático de Direito, em muito inovou em comparação com o Código Civil. Façamos, aqui, uma comparação exemplificativa entre as regras deste e as do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. O Código Civil fala em coisas, objeto de contratos comutativos e em bens e imóveis. Já o Código de Proteção e Defesa do Consumidor fala em produtos, que seriam quaisquer bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, duráveis e não duráveis e em serviços. Outro ponto é que o Código Civil fala em defeitos ocultos que tornem a coisa imprópria para o uso ou diminuam o seu valor. Por sua vez o Código de Proteção e Defesa do Consumidor acrescenta que o defeito pode até mesmo ser de fácil constatação e que a coisa poderá ser enjeitada por não conferir com as especificações da embalagem, do rótulo, da propaganda, etc. Além disso, o prazo decadencial para substituir, devolver ou pedir abatimento do preço da coisa também foi ampliado no Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

III. A Revolução Industrial e O Direito do Consumidor
O período da Revolução Industrial é de grande importância para o desenvolvimento do Direito do Consumidor.
"Antes da era industrial, o produtor-fabricante era simplesmente uma ou algumas pessoas que se juntavam para confeccionar peças e depois trocar os objetos (bartering). Com o crescimento da população e o movimento do campo para as cidades, formam-se grupos maiores, a produção aumentou e a responsabilidade se concentrou no fabricante, que passou a responder por todo o grupo" (SOUZA, 1996. p.48).
O advento da Revolução Industrial foi responsável pelo crescimento da chamada produção em massa. Devido a este movimento, a produção perdeu seu toque "pessoal" e o intercâmbio do comércio ganhou proporções ainda mais despersonalizadas, já que passaram a haver outros intermediários entre a produção e o consumo. Em conseqüência disto,
"o produtor precisava dar escoamento à produção, praticando, às vezes, atos fraudulentos, enganosos, por isso mesmo, abusivos. A justiça social, então, entendeu ser necessária a promulgação de leis para controlar o produtor-fabricante e proteger o consumidor-comprador" (SOUZA, 1996. p. 48).
Acrescenta-se, ainda, que "o produtor, via de regra, sempre se interessou mais pela parte monetária do que com o produto, ou mesmo em satisfazer o consumidor" (SOUZA, 1996. p. 48).
O crescimento e contínuos avanços das tecnologias fizeram com que fossem inseridas na mente do consumidor as idéias de que ele estava precisando de mais objetos que até o momento nunca sentira necessidade de adquirir em sua vida cotidiana. O produtor estava sempre interessado em formas para escoar sua produção e manter o fluxo de produção-consumo. Logo, sentiu necessidade de estimular o consumidor a uma necessidade, ainda que artificial, para manter o processo produtivo em funcionamento. Criou-se, desta forma, o que o professor Thierry Bourgoignie, da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, denomina de "norma social do consumo", que:
"faz com que o consumidor perca o controle individual das decisões de consumo e passe a ser parte de uma classe, a "consommariat", conferindo claramente uma dimensão social ao consumidor e ao ato de consumir" (BOURGOIGNIE, apud SOUZA, 1996. p. 48).

IV. A Selva
O norte-americano Upton Sinclair, em 1906, escreveu um romance chamado The Jungle (A Selva). Este serviu para despertar no povo do seu país o mais vivo interesse pela problemática do consumidor. Sinclair era um jovem jornalista, dotado de idéias socialistas, que , no intuito de justificar e fundamentar suas reivindicações proletárias, consistentes de melhorias de salário e de condições de trabalho, disfarçou-se em operário para realizar suas observações na cidade de Chicago. Em seu romance, ele retrata em cores ousadas e dramáticas o impacto social do capitalismo industrial no começo do século XX.
"Os principais personagens eram de uma família de camponeses lituanos que vieram trabalhar pelos contos e fantasias de liberdade e pujança na América" (Souza, 1996. p. 52).
Sinclair demonstra os abusos cometidos pela industria da carne, ao descrever de forma bem realística os alimentos deteriorados. Um exemplo é o seguinte trecho de sua obra:
"a carne misturada com pedaços de tecidos esfarrapados e sujos, pães mofados, moídos juntamente com os enchimentos das lingüiças vendidas em Chicago, embora proibidas no comércio exterior" (SINCLAIR, apud SOUZA, 1996. p. 52).
O impacto da novela The Jungle foi de um modo tão avassalador, que logo sofreu traduções para 17 idiomas. O romance acabou, também, por inspirar a elaboração de duas leis federais nos EUA, que fortaleceram a fiscalização da pureza da carne, a Meat Inspection Act e a Pure Food and Drug Act, de 1906.

V. O Direito do Consumidor na Segunda Guerra Mundial e no Cenário do Pós-Guerra
Foi em plena Segunda Guerra Mundial, quando a produção estava a serviço e controle do Estado, que se despontava na América Keynesiasna o movimento em prol dos direitos do consumidor. Mas curiosamente, foram o surgimento da mídia e as conquistas tecnológicas que deram causa ao ressurgimento da defesa do consumidor.
"a guerra intensificou a produção industrial em massa, e contribuiu para as grandes invenções e o aprofundamento da produção em série. Todo o esforço da guerra resultou, inevitavelmente, em aumento substancial de produção no posterior tempo de paz. O know-how gerado para a guerra provocou, então um crescimento em vários segmentos industriais, gerando um arsenal de produtos surpérfulos e diversificados, em um mercado antes restrito somente ao essencial. Com o advento da televisão, resultou da propaganda informativa o marketing (desenvolvido em forma de propaganda de guerra), com o objetivo de escoar a produção no mercado. Com isso, aumentaram os problemas relacionados à produção e ao consumo, em face de uma competitividade altamente sofisticada por causa das novas mídias e das próprias complexidades dos mercados surgidos no pós-guerra, e do advento do marketing científico. Passou-se então a praticar uma concorrência desleal, fortalecendo a tendência da formação dos cartéis, trustes e oligopólios, o que sem dúvida, colaborou, dentre outros motivos, para o agravamento dos problemas sociais e conflitivos urbanos em decorrência da concentração de renda" (Souza, 1996. p. 54).
Podemos perceber que esses problemas influenciaram sensivelmente a vida dos consumidores, quer seja pela alta dos preços, queda na qualidade de vida ou aumento da poluição.
Após o período do pós-guerra acontece o ressurgimento da cláusula rebus sic stantibus, o que enfraquece o princípio da força obrigatória dos contratos. Esta restauração se deu sob o nome de "teoria da imprevisão" e visava a quebra do princípio do pacta sunt servanda. Esta quebra possibilitou o surgimento do Direito do Consumidor, que se fundamentava a partir da responsabilidade civil objetiva e do reconhecimento dos interesses e direitos difusos.
Orlando Gomes afirma que:
"o princípio da força obrigatória das convenções, pelo qual o juiz estava obrigado a fazer cumprir os efeitos do contrato, quaisquer que fossem as circunstâncias ou as conseqüências, está abalado. O legislador intervém, a cada instante, na economia dos contratos, ditando medidas que, tendo aplicação imediata, alteram os efeitos dos contratos anteriormente praticados, e vai se admitindo o poder do juiz de adaptar seus efeitos às novas circunstâncias (cláusula rebus sic stantibus), ou de exonerar o devedor do seu cumprimento, se ocorrer imprevisão. Por fim, desde que os contratos são fonte de obrigações e estas importam limitação da liberdade individual, entendia-se que os seus efeitos não deveriam atingir a terceiros. O contrato era res inter alios acta. Mas as necessidades sociais impuseram a quebra, ainda que excepcional, desse princípio da relatividade dos efeitos do contrato, para a satisfação de certos interesses coletivos privados" (GOMES, 1979. p. 105-106).
A partir das iniciativas do presidente americano John Fitzgerald Kennedy, na década de 60, houve a consolidação do Direito do Consumidor nos Estados Unidos. Dirigindo-se por meio de uma mensagem especial ao Congresso Americano, em 1962, Kennedy identificou os pontos mais importantes em torno da questão:
"(1) os bens e serviços colocados no mercado devem ser sadios e seguros para os uso, promovidos e apresentados de uma maneira que permita ao consumidor fazer uma escolha satisfatória;
(2) que a voz do consumidor seja ouvida no processo de tomada de decisão governamental que detenha o tipo, a qualidade e o preço de bens e serviços colocados no mercado;
(3) tenha o consumidor o direito de ser informado sobre as condições e serviços;
(4) e ainda o direito a preços justos" (SOUZA, 1996. p. 56).
Seguindo o exemplo de Kennedy, a Comissão de Direitos Humanos das nações Unidas, na sua 29ª Sessão em 1973, em Genebra, também reconheceu os princípios e chamou-os de Direitos Fundamentais do Consumidor. Por sua vez, o programa Preliminar da Comunidade Européia para uma Política de Proteção e Informação dos Consumidores dividia os direitos fundamentais em cinco categorias:
"(1) proteção da saúde e da segurança;
(2) proteção dos interesses econômicos;
(3) reparação dos prejuízos;
(4) informação e educação;
(5) representação (ou direito de ser ouvido)" (SOUZA, 1996, p. 56).
Em 1985, as Nações Unidas, por meio da Resolução n.º 39/248, estabelece objetivos, princípios e normas para que os governos membros desenvolvam ou reforcem políticas firmes de proteção ao consumidor. Esta foi, claramente, a primeira vez que, em nível mundial, houve o reconhecimento e aceitação dos direitos básicos do consumidor. O Anexo 3 da Resolução mostra quais são os princípios gerais que serão tomados como padrões mínimos pelos governos:
"(a) proteger o consumidor quanto a prejuízos à sua saúde e segurança;
(b) fomentar e proteger os interesses econômicos dos consumidores;
(c) fornecer aos consumidores informações adequadas para capacita-los a fazer escolhas acertadas, de acordo com as necessidades e desejos individuais;
(d) educar o consumidor;
(e) criar possibilidade de real ressarcimento ao consumidor;
(f) garantir a liberdade para formar grupos de consumidores e outros grupos e organizações de relevância e oportunidade para que estas organizações possam apresentar seus enfoques nos processos decisórios a elas referentes" (SOUZA, 1996. p.57).
Miriam Souza lembra, ainda, que:
"as Nações Unidas também entendem como medida para a proteção dos consumidores o Código de Conduta para as Firmas Transnacionais, projeto de ONU desde meados dos anos 60, ponto de vista compartilhado pela Organização Internacional das Associações de Consumidores (International Organization of Consumers Unions – IOCU), com sede em Haia" (Souza, 1996. p. 57).
O IOCU é amplamente respeitado entre as associações de consumidores no mundo. E sobre os direitos do consumidor enumera:
"(1) segurança – proteção contra produtos, processos e serviços nocivos à saúde ou à vida;
(2) informação – conhecimento dos dados necessários para fazer escolhas e decisões informadas;
(3) escolha – acesso a uma variedade de produtos e serviços com qualidade e preços competitivos;
(4) a ser ouvido – exposição e consideração das perspectivas dos consumidores na formação das políticas nacionais;
(5) indenização – solução justa de queixas justas;
(6) educação – aquisição dos conhecimentos e das habilidades necessárias para ser um consumidor informado ao longo da vida;
(7) ambiente saudável – ambiente físico apto a proporcionar melhor qualidade de vida agora e no futuro" (SOUZA, 1996. p. 58).
A proteção do Direito do Consumidor é de tamanha relevância, que muitos dos ordenamentos jurídicos, inclusive o brasileiro, pela Constituição Federal de 1988, já consagram, acolhendo a Resolução da ONU.

VI. A Constituição Brasileira e O Direito do Consumidor
A questão dos Direitos do Consumidor é tão importante que em três oportunidades distintas é tratada na Constituição Federal vigente. A primeira vez, já em seu Capítulo I do Título II, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos estabelece a Carta magna, no artigo 5º, XXXII que "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor" o que quer dizer, em outras palavras, que o Governo Federal tem a obrigação de defender o consumidor, de acordo com o que estiver estabelecido nas leis.
A segunda vez que a Constituição menciona a defesa do consumidor é quando trata dos princípios gerais da atividade econômica no Brasil, citando em seu artigo 170, V, que a defesa do consumidor é um dos princípios que devem ser observados no exercício de qualquer atividade econômica.
Finalmente, o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), determina que o Congresso Nacional elabore o Código de Defesa do Consumidor.
Estes três dispositivos constitucionais são mencionados no artigo 1º do Código de Defesa do Consumidor.
José Geraldo Brito Filomeno lembra que a sensibilização dos
"constituintes de 1887/88, foi obtida por unanimidade na oportunidade do encerramento do VII Encontro Nacional das (...) Entidades de Defesa Do Consumidor, desta feita realizado em Brasília, por razões óbvias, no calor das discussões da Assembléia Nacional Constituinte, e que acabou sendo devidamente protocolada e registrada sob n.º 2.875, em 8-5-87, trazendo sugestões de redação, inclusive aos então artigos 36 e 74 da Comissão "Afonso Arinos", com especial destaque para a contemplação dos direitos fundamentais do consumidor (ao próprio consumo, à segurança, à escolha, à informação, a ser ouvido, à indenização, à educação para o consumo e a um meio ambiental saudável)." (FILOMENO, 1991. p. 21-22).
Mas, o Código do Consumidor é só o início. É o que alerta o jurista Fábio Konder Comparato: "na verdade, a dialética produtor x consumidor é bem mais complexa e delicada do que a dialética capital x trabalho" (grifo nosso) (COMPARATO, apud SOUZA, 1996. p. 59).

          ALMEIDA, Carlos Ferreira. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Almeida, 1982.
DERANI, Cristiane. Política Nacional das Relações de Consumo e o Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. n. 29.
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. São Paulo: Atlas, 1991.
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro:Forense, 1979. 6 ed.
PRUX, Oscar Ivan. Responsabilidade Civil do Profissional Liberal no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte:Del Rey, 1998.
SANTOS, Altamiro José dos. Direitos Do Consumidor. Revista do IAP. Curitiba, Instituto dos Advogados do Paraná, 1987. n. 10.
Souza, Miriam de Almeida. A Política legislativa do Consumidor no Direito Comparado. Belo Horizonte: Edições Ciência Jurídica, 1996.
Os Estabelecimentos bancários são hoje, sem dúvida alguma, um dos pilares mais importantes da Sociedade Moderna. Relevância que decorre, principalmente, da possibilidade que detêm de aumento, circulação e fomento de riquezas, garantindo aplicações rentáveis ao capital, atualização dos recursos aplicados e possibilidade de obtenção de novos recursos, tão necessários ao incremento e fomento de atividades empresarias. E, também, porque direta ou indiretamente, as atividades bancárias estão sempre envolvendo a vida quotidiana, do recebimento de salários ou aposentadorias, passando pelo pagamento das mais diversas contas até os empréstimos e financiamentos.
Como qualquer outro estabelecimento comercial, visam, os Bancos, ao lucro, obtido principalmente no spread cobrado. Ocorre que nem sempre a busca desse lucro, através do resultado ótimo na relação: Recursos Obtidos  empréstimo  spread apresenta-se de forma medida e aceitável.
Embora expressamente definidos como fornecedores (art. 3º, §2º do CDC), grande é o debate doutrinário sobre a incidência das normas de proteção ao consumidor nos contratos firmados entre cliente e instituição bancária.
A oposição do setor bancário a esse dispositivo é manifesta, sob o argumento de que não há como se falar em relação de consumo nos contratos assinados entre o cliente (pessoa física ou jurídica) e o Estabelecimento bancário. Defendendo essa posição encontramos, por exemplo, o ilustre Profº Arnoldo Wald (1), sob o argumento que não é possível que o crédito seja usado por um destinatário final, já que, por sua própria natureza, destina- se à circulação como meio de pagamento (2). Por outro lado, seria aplicável o CDC aos serviços bancários, como, por exemplo, guarda de documentos e locação de cofres.
Há, entretanto, outras posições, como a de Luiz Rodrigues Wambier (3), que afirma que os contratos bancários estão sujeitos ao CDC, se caracterizada a relação de consumo, isto é, que o contratante seja o próprio consumidor (inexistindo na relação qualquer intermediário). Assim, "Se, todavia, o tomador dos recursos se utilizou do montante obtido por meio de operação de crédito (em sentido amplo) para a realização de atividades próprias, tanto de produção quanto de consumo, estará efetivamente consumindo aqueles recursos e, com isso, sujeitando a operação bancária ao crivo do CDC." (4) Wambier não aceita a argumentação de Wald, e esclarece que o tomador do empréstimo é destinatário final no sentido de que é o último destinatário daquela relação de consumo. Uma vez que utilize os recursos constituirá outras relações completamente desvinculadas da anterior (5).
Também admite aquela aplicação José Geraldo Brito Filomeno (6) quando afirma que as instituições financeiras prestam serviços lato sensu aos consumidores quer quando prestam serviços aos seus clientes (cobrança de contas, expedição de extratos, etc.) quer quando concedem mútuos ou financiamentos.
James Marins também é da opinião de que todos os contratos bancários, inclusive aqueles que envolvem operações financeiras de risco, estariam sujeitos ao CDC pois tratam-se de atividades oferecidas ao público, no mercado de consumo, mediante remuneração. A mesma opinião é compartilhada por Antônio Carlos Efing. Ambos os autores baseiam-se na extensão conferida pelo art. 29 do CDC a todos aqueles potencialmente atingidos por práticas abusivas, principalmente porque na maioria dos casos tratam-se de contratos de adesão.
Wambier mais uma vez discorda, principalmente porque o conceito de consumidor não seria tão elástico, e se fosse realmente essa a interpretação adequada não haveria porquê existir o conceito restrito de consumidor estabelecido pela própria lei. Para o autor o que o art. 29 pretendia albergar seriam os entes despersonalizados (massa falida, condomínio, etc.) quando em condições equiparáveis aos consumidores.
Apesar da dignidade dos argumentos, essa opinião não parece ser a mais adequada, uma vez que além de expresso o dispositivo legal, não cabe ao intérprete criar restrições quando a própria lei não o faz. Além disso, a extensão do art. 29 não é uma extensão a todos e quaisquer casos, mas apenas àqueles em que se figura abusividade contratual. Além disso, uma vez que os entes despersonalizados estejam em situação equiparável ao consumidor estarão abrangidos pelo próprio caso do art. 2º.
Certo é que, uma vez editada a Lei nº 8.078/90, muito argumentou-se que não se poderia aceitar sua vigência nos contratos bancários, pois não seriam esses de consumo. Tal argumento embasava-se no fato de que, como negociava-se crédito, não sujeitando, desse modo, a relação ao disposto no Código de Defesa do Consumidor, pois não haveria como se consumir o dinheiro e, portanto, não poderia existir relação de consumo.
Primeiramente, cabe lembrar que, de acordo com o disposto no art. 51 do Código Civil, dinheiro é um bem consumível. Esta é a posição da melhor doutrina representada por Clóvis Beviláqua (7): Ora, se o dinheiro é bem juridicamente consumível, o argumento de que não pode haver relação de consumo envolvendo-o torna-se vazio. Conforme comenta Wambier: "Sob esse argumento (ser destinatário final) não se podem excluir da incidência das normas do CDC os contratos de crédito, cujos recursos sejam tomados pelo consumidor para fazer frente as despesas de produção ou de consumo, pois a circunstância de "gastar" esse dinheiro tomado do banco não o inclui na cadeia de fornecedores." (8)
Além desse argumento, aqueles que pretendem ver afastada a incidência do CDC aos contratos bancários, alegam que não poderia haver destinatário final ao crédito. Deve-se reconhecer que a principal função do crédito é a de meio de circulação das riquezas, entretanto, negar que pode ser possuído em consumo final é esquecer-se de que não se pode obrigar o "cliente" a manter consigo o crédito obtido. Na verdade trata-se de duas relações distintas, como demonstra Wambier. A primeira refere-se à relação de consumo entre o cliente e a instituição bancária, na qual aquele é consumidor final do crédito obtido, e que pode ou não ser seguido de outras relações. Obviamente, se o crédito obtido for utilizado como insumo para o incremento da atividade empresarial do "cliente", não há que se falar em relação de consumo, pois haverá relação de intermediação. Nada impede, contudo, que se aplique a extensão do conceito de consumidor no caso do art. 29 CDC.
Há ainda aqueles que acreditam existir uma presunção iuris tantum de que o crédito obtido será utilizado como fator de produção, não havendo consumo final por parte do cliente. E que além disso só poderia se falar em abrangência pelo CDC nos serviços, operações passivas (poupança e conta corrente sem concessão de crédito, aplicações financeiras e contratos atípicos – custódia de valores, aluguel de cofres, etc.).
Primeiramente deve-se indagar o porquê da existência de uma presunção que indique que o crédito será utilizado como meio de produção (não há qualquer resposta lógica neste sentido). Poderia inclusive se dizer da existência da presunção contrária frente, daí sim verdadeira, à presunção de fragilidade do consumidor. Em segundo lugar não há porque se excluir as atividades bancárias ditas ativas (9), visto que além do oferecimento do produto "crédito" há a prestação de serviço (10) por parte do Estabelecimento bancário nas operações bancárias ativas.
Este aliás é o ponto de maior controvérsia no que concerne à aplicação do CDC às atividades bancárias. A doutrina ainda não se assentou, e muito menos a jurisprudência, sobre como tratar as operações bancárias fundamentais ativas. Como se depreende da argumentação anteriormente exposta, o melhor entendimento é aquele que aceita a incidência do CDC, desde que o consumidor não utilize o crédito como insumo para atividade lucrativa outra (pois na verdade caracterizar-se-ia intermediação). Entretanto, se o consumidor é o destinatário final desse crédito, no sentido de que não o utilizará para criar ainda mais crédito, é pacífica e indubitável sua abrangência pelo CDC. Até porque, não há critério lógico ou legal para o descriminação entre as operações ativas e passivas, ambas merecedoras da proteção consumerista.
Newton de Lucca ensina que a origem do CDC está muito ligada aos abusos cometidos pela instituições financeiras contra seus clientes. Para o ilustre Professor não se pode, através da interpretação, chegar-se a um absurdo. Aceitar que o CDC não se aplica aos Bancos permitir-lhes-ia a veiculação de propaganda enganosa, utilização de cláusulas abusivas, etc. sem qualquer tipo de sanção.
Concluindo com a clareza ímpar de Cláudia Lima Marques, podemos afirmar que: "A caracterização do banco ou instituição financeira como fornecedor está positivada no art. 3º, caput do CDC e especialmente no § 2º do referido artigo, o qual menciona expressamente como serviços as atividades de ‘natureza bancária, financeira, de crédito’." E mais adiante: "A caracterização do banco ou instituição financeira como fornecedor sob a incidência do CDC, é hoje pacífica." (11) A mestre gaúcha acrescenta ainda: "O CDC rege as operações bancárias, inclusive as de mútuo ou de abertura de crédito, pois relações de consumo.
O produto da empresa banco é o dinheiro ou o crédito, bem juridicamente consumível, sendo, portanto, fornecedora; e consumidor o mutuário ou creditado." (12)
Diante dos argumentos trazidos pela melhor doutrina, não há como se negar a aplicação das regras protetivas do Código de Defesa do Consumidor à atividade bancária e sua operações, quer fundamentais (ativas e passivas), quer acessórias quando o produto (crédito) for utilizado pelo destinatário final em atividade não lucrativa (não caracterizando insumo) (13).

NOTAS
1.. WALD, Arnoldo. O Direito do Consumidor e suas repercussões em relação às instituições financeiras. In Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, Vol. 666, Abr. 1991, p.7-17.
2.. Nota o autor que só haveria destinatário final em dois casos: o colecionador de moedas e quando o BACEN retira de circulação moedas antigas.
3. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Os Contratos bancários e o Código de defesa do Consumidor. In Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, Vol. 18, Abr./Jun. 1996, p.125-132.
4. WAMBIER, Op. cit., p.127.
5. Em relação ao contrato de abertura de crédito em conta corrente, argumenta o autor que o destinatário final do recurso é o usuário que saca de sua conta corrente "na medida em que ele efetivamente faz uso daquele serviço bancário (ajuste concessivo de crédito rotativo) e utiliza os recursos assim obtidos para si ou para sua família, ainda que na aquisição de outros bens e serviços." (WAMBIER, Op. cit., p.130).
6. FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. São Paulo: Atlas, 1991.
7. Código Civil comentado. Francisco Alves, 1956. V. 1, p. 226.
8. WAMBIER, Op. cit., p.131.
9. Os bancos desempenham uma série de negócios jurídicos com seus clientes visando ao lucro (pois possuem intuito comercial). Esses negócios são denominados operações bancárias, e podem ser classificadas em principais e acessórias. "As operações bancárias fundamentais são representadas pela intermediação do crédito, ou seja, pelo recolhimento e concessão de dinheiro. Estas se subdividem em passivas – que têm como objetivo a arrecadação de fundos, tornando o banco devedor do cliente; como exemplo, pode-se citar o depósito e as contas-correntes – e ativas, que visam à colocação de crédito no mercado, passando o banco a credor do cliente, consistindo nos empréstimos, aberturas de crédito, descontos entre outros." (HOLTHAUSEN, Fábio Zabot. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor às Operações Bancárias. In Ajuris, Edição Especial, Tomo II, p.710). As acessórias, por sua vez, são as que não intermediam o crédito como cobrança de títulos e aluguel de cofres.
10. Recentemente o Superior Tribunal de Justiça se manifestou em relação à aplicação do CDC aos Bancos nos seguintes termos: "Os Bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no art. 3º, parágrafo segundo, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor. A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancária, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, não o descaracteriza como consumidor final dos serviços prestados pelo banco". (Resp nº 57.974-0-RS, Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar). No mesmo sentido, Resp’s 163616/RS; 1757995/RS e 142799/RS.
11. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3ªed, p.198/199.
12. MARQUES, Contratos..., p.202.
13. Cabe destacar, por fim, que Cláudia Lima Marques admite essa possibilidade quando
Em consequência da revolução tecnológica, a produção e a comercialização se dissociaram, resultando na evolução da produção em pequena escala para a produção em série. Assim, dada a grande diversidade de produtos no mercado, aumentaram os riscos ao público consumidor, provenientes de erros técnicos e falhas no processo produtivo.
O sistema do Código Civil, com berço no individualismo negocial, em que o mais importante era a preservação do contrato, passou, assim, a não mais corresponder às expectativas do mercado de consumo e do progresso tecnológico da produção em massa, sendo que tais problemas só foram suprimidos com o advento do Código de Defesa do Consumidor.
Ante a necessidade de uma proteção mais ampla do consumidor na relação de consumo, a noção de vício no CDC é bem mais eficiente do que a estabelecida pelo direito tradicional, senão vejamos:
a)Para o CC as expressões "vício" e "defeito" são equivalentes, enquanto que no sistema do CDC "defeito" é vício mais dano à saúde ou segurança, estando associado, portanto aos fatos do produto ou serviço e "vício" está associado à deficiência de qualidade ou quantidade do produto ou serviço.
b)Enquanto no CC vigora a responsabilidade subjetiva pura, baseada na culpa do fornecedor, no CDC a responsabilidade pelos vícios é subjetivo com presunção de culpa do fornecedor, além da inversão do ônus da prova em favor do consumidor.
c)O CC não prevê a solidariedade entre os fornecedores componentes da cadeia de produção e comercialização, assim, o consumidor só pode acionar o fornecedor direito, com quem contratou diretamente. Já no CDC o consumidor poderá acionar quaisquer dos componentes da cadeia de produção e comercialização, seja o comerciante, o fabricante, o distribuidor, ou todos eles conjuntamente.
d)Pelo CC, a responsabilização pelos vícios da coisa, só é permitida se esta tiver sido recebido em virtude de relação contratual (contratos comutativos ou doação com encargo). No CDC, por sua vez, não há necessidade de haver relação contratual entre o consumidor e o sujeito passivo demandado pelo vício do produto ou serviço, afinal como já falamos, há solidariedade entre os componentes da cadeia de fornecedores .
e)O CC não prevê responsabilização pelos vícios aparentes ou de fácil constatação, abrangendo, apenas, os ocultos. Além disso tais devem ser preexistentes ou contemporâneos à entrega da coisa. No CDC, como vigora a vulnerabilidade do consumidor, e com o objetivo de estabelecer-se o equilíbrio contratual, considera-se irrelevante que o consumidor tenha ou não conhecimento do vício e tenha ele surgido antes ou depois da tradição do produto, desde que dentro dos prazos decadenciais.
f)O CC não prevê proteção aos vícios ocorridos na prestação de serviços, mas tão somente do produto, enquanto que o CDC contempla ao consumidor as possibilidades de exigir a reexecução do serviço, a restituição da quantia paga ou o abatimento do serviço caso encontre-se responsabilidade do fornecedor de serviços pelos vício de adequação (quantidade e qualidade).
g)No CC caso comprovada a boa-fé (ignorância) do alienante será obrigado a restituir apenas a coisa viciada, ou seja, a culpa não enseja a responsabilização pelos danos materiais (lucro cessante + dano emergente) ou pessoais (morais), de maneira que somente quando comprovada a má-fé aquele será responsabilizados por perdas e danos. Já no CDC havendo relação de consumo, pouco importa o comprovação ou não de má-fé do fornecedor, para obter-se a reparação integral (danos materiais + danos pessoais).
h)O CC só prevê duas possibilidades de reparação: a ação redibitória (o contrato é levado a termo e o comprador é restituído integralmente pelo pagamento) ou a ação estimatória (o comprador obtém a redução do valor pago). No CDC as possibilidades estão ampliadas, estabelecendo dentre as hipóteses a substituição do produto, a restituição da quantia paga ou abatimento do preço, assim como, a possibilidade da troca do produto por outro de espécie, marca ou modelo diverso, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço.
i)No CC os prazos de prescrição e decadência são contados à partir da entrega da coisa (a prescrição é de 15 dias para bem móvel e 6 meses para bem imóvel). Por sua vez, o CDC tais prazos se iniciam a partir do momento em que o consumidor toma conhecimento do vício ou do dano (a prescrição é de 5 anos).

BIBLIOGRAFIA
1 - CARNEIRO, Odete Novais - Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço - São Paulo: Editora RT, 1998
2 - JÚNIOR, Alberto do Amaral - A responsabilidade pelos vícios dos Produtos no Código de Defesa do Consumidor - Revista de Direito do Consumidor n. 03. Ed. RT: São Paulo, 1992.
3 - LISBOA, Roberto Senise - Vício do Produto e a exoneração da responsabilidade. Revista de Direito do Consumidor n. 05 - São Paulo: Ed. RT, 1993.

4 – DENARI, Zelmo - Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto - Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999

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