Estupro de vulnerável
O presente artigo tem como
escopo constatar as mudanças na descrição da figura típica do delito de estupro
de vulnerável, diante da reforma produzida pela Lei 12.015/2009, bem como
discorrer um pouco sobre o tema e esclarecer algumas dúvidas freqüentes quanto
ao art. 217-A. Para tanto, busca relacionar a nova ótica normativa a antiga
presunção de violência contida no revogado artigo 224 do Código Penal. De igual
modo, assinala os avanços estimulados pelo conceito de vulnerável, sem,
contudo, deixar de tecer críticas ao desrespeito aos direitos constitucionais
assegurados ao acusado, bem como a insistida inobservância legislativa aos
avanços comportamentais e culturais experimentados pela sociedade atual.
No Direito Penal brasileiro, o estupro de vulnerável é um tipo penal criado com a lei 12015 de agosto de 2009, que substituiu o antigo
artigo 224 do Código Penal, que por sua vez tratava da presunção de violência. Com o novo crime, a
presunção de violência passa a ser, em tese, absoluta, e não mais relativa. Com
o novo instituto criou-se a ideia do estupro de vulnerável, que também foi
responsável pela alteração no texto do crime de corrupção de menores, fixando a idade de consentimento no Brasil aos 14 anos, com exceção dos casos de prostituição.
A
violência presumida era até então prevista no antigo artigo 224, “a”, do Código
Penal de 1940, para os atos sexuais praticados contra menores de 14 anos. A
partir de 1940, com a evolução dos costumes ao longo das décadas
seguintes, a jurisprudência e a doutrina dividiram-se em duas
correntes de pensamento sendo: presunção relativa ou absoluta.
Na presunção absoluta,
todo ato sexual com menores de 14 anos era considerado violento, tanto o ato de
estupro (art. 213) quanto o atentado violento ao pudor (art. 214). Já os defensores da presunção relativa analisavam as
peculiaridades de cada caso, levando em conta diversos fatores como: compleição
física da vítima,
experiência sexual ou as circunstâncias específicas que levaram ao ato sexual. Algumas decisões judiciais reconheciam
o consentimento para o sexo, em casos específicos, aos 13 anos6 ou aos 12 anos.
Com a
aprovação do ECA em 1990, esta controvérsia começou a ganhar força, quando
abriu-se divergência entre a idade de consentimento legalmente definida pela
presunção de violência (art. 224, "a", do CP) e a definição legal de criança.
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso
com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no
caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra
causa, não pode oferecer resistência.
§ 2o (VETADO)
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4o Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
De acordo com a redação Constante do caput do
art. 217-a do CP, podemos destacar os seguintes elementos:
a)
a conduta de
ter conjunção carnal;
b)
praticar
qualquer outro ato libidinoso;
c)
pessoa menor
de 14 (catorze) anos.
Decisões do STJ:
As divergências doutrinárias estão no tocante a saber se
a conduta do recorrido, que praticou conjunção carnal com menor que contava com
12 anos de idade – subsume-se ao tipo previsto no art. 217-A do Código
Penal, denominado estupro de vulnerável, mesmo diante de eventual consentimento
e experiência sexual da vítima. Para a configuração do delito
de estupro de vulnerável, são irrelevantes a experiência sexual ou o
consentimento da vítima menor de 14 anos.
Para a realização objetiva do tipo do art. 217-A do
Código Penal, basta que o agente tenha conhecimento de que a vítima é menor de
14 anos de idade e decida com ela manter conjunção carnal ou qualquer outro ato
libidinoso, o que efetivamente se verificou in casu. 4. Recurso especial
provido para condenar o recorrido em relação à prática do tipo penal previsto
no art. 217-A, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, e determinar a cassação do
acórdão, com o restabelecimento do decisum condenatório de primeiro grau, nos
termos do voto.” (STJ, REsp 1371163 / DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR,
j. 25/06/2013).
“A
configuração do tipo estupro de vulnerável prescinde da elementar violência de
fato ou presumida, bastando que o agente mantenha conjunção carnal ou pratique
outro ato libidinoso com menor de catorze anos, como se vê da
redação do art. 217-A, nos termos da Lei n.º 12.015/2009.” ( EDcl no AgRg no Ag
706012 / GO, 5ª Turma, relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 22/03/2010).
Presunção absoluta no antigo art. 224, “a”, do CP: “a presunção de violência prevista no art. 224, ‘a’, do
Código Penal é absoluta, sendo irrelevante, penalmente, o consentimento da
vítima ou sua experiência em relação ao sexo” (STJ, AgRg no REsp 1382136 / TO,
Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, j. 03/09/2013).
Dados
do estudo no Brasil
Uma
radiografia segundo os dados da Saúde divulgados pelo Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada) nesta quinta-feira (27) demonstram que 50,7% das
vítimas de estupro no Brasil têm até 13 anos de idade. Os adolescentes (entre
14 e 17 anos) são vítimas em 19,4% dos casos.
As
estatísticas revelam o perfil das vítimas baseadas nas notificações feitas ao
Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) em 2011 e
demonstram que mais de 70% dos estupros vitimizaram crianças e adolescentes. O
estudo conclui que o "dado é absolutamente alarmante, uma vez que as
consequências, em termos psicológicos, para esses garotos e garotas são
devastadoras". Ainda de acordo com a pesquisa, 88,5% das vítimas eram do
sexo feminino, 51% de cor preta ou parda e apenas 12% eram ou haviam sido
casadas anteriormente.
Em
relação ao agressor das vítimas até 13 anos, 24,1% são os próprios pais ou
padrastos e 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima. O estuprador desconhecido
é maioria conforme a idade da vida aumenta. "Na fase adulta, este responde
por 60,5% dos casos. No geral, 70% dos estupros são cometidos por parentes,
namorados ou amigos/conhecidos da vítima".
Fontes: