quarta-feira, 26 de março de 2014







O presente Artigo trata do crime de tortura no Brasil. Com enfoque na tipicidade e sua legalidade.

A tortura foi uma das práticas adotadas pelas instituições encarregadas de repremir o crime durante a ditadura no Brasil. Tal pratica não vem de encontro ao Estado Democrático de Direito e nem mesmo os tratados internacionais dos Direitos Humanos. O que menos se espera é que os órgãos responsáveis do cumprimento das leis não poderiam praticar a tortura.
No primeiro Governo do Presidente Getúlio Vargas, com inicio década de 30, o Brasil instaurou uma verdadeira ditadura em todo o território brasileiro, usurpando as garantias individuais, disseminando o legislativo, federal, estadual e municipal. Os órgãos de imprensa foram perseguidos, censurados e criados departamentos de policias, com objetivos de repressão a população, principalmente os políticos, jornalistas e intelectuais.
Com ascensão dos Militares em 1964, a tortura passou a ser um instrumento de poder e obtenção de informações para o governo. O movimento vitimou e exilou vários brasileiros neste período. 
Com advento da tortura foram surgindo várias vitimas que denunciavam a opressão com intuito de obter informações. Para os militares, todos que colaboravam com o comunismo deveriam ser exterminados, não só estes como os que desafiavam o regime.
As torturas, ocorridas no período de 1964 a 1985, eram realizadas com muitos choques e pancadarias. No início do regime, os militares realizaram uma operação para verificar a existência de possíveis suspeitos ligados ao antigo governo ou a algum tipo de subversão. Foram tantas pessoas presas e diversas torturas, que os presídios que existiam não foram suficientes. Com o AI-5, os jornais passaram a ser mais censurados e com a falta de divulgação da violência, os fatos de tortura tornaram-se mais comuns.
1969 foi o ano mais difícil para o país quando se fala em tortura. As guerrilhas estavam com grande atuação e ocorriam muitos assaltos aos bancos, ocasionando repressões mais fortes. Inclusive, nesse período foram criados vários processos na tentativa de esconder as atitudes dos torturadores. As mais diversas formas de tortura eram praticadas, o que ocasionou grande aumento nos casos de suicídios. As torturas eras tão violentas que os torturados preferiam a morte. Muitas das mortes ocorridas nos presídios,foram tidas como suicídio. 
Na tortura aplicada pelo regime militar, era um verdadeiro atentado à dignidade humana, pois, o torturado não tinha nenhum direito e nem mesmo respeitado a sua condição humana. Sendo os principais meios utilizados para se torturar era o choque, pau de arara e porretes.
No Brasil a Constituição de 1824, trata o tema no art. 179, § 19 daquele diploma: 
"Desde já ficam abolidos os açoutes, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as demais penas cruéis".
A legislação Brasileira trata a tortura como crime comum, de forma, dando entendimento que qualquer pessoa pode praticar o mencionado delito.
A Constituição de 1988, com base aos acordos do Direito Internacional, urge como um dos princípios dispares para as relações diplomáticas brasileiras, com ênfase nos direitos humanos (art. 4º, II), tendo com foco a dignidade da pessoa humana.
A Carta Magna de 1988 coíbe a prática da tortura e penas severas (artigo 5º. III, XLIII e XLVII), bem como em proteger a integridade física e moral do preso (art. 5º., XLIX). 
No entanto, a Constituição, não havia menção de Tortura como crime. Já no Código Penal somente menção em alguns artigos como 121 e 136. Sendo o primeiro tratando como uma qualificadora e o segundo com 
foco no tratamento da pessoas sob guarda. 
Com a criação da Lei 9455, de 07.04.97, a qual "define o crime de tortura e dá outras providências",concerne à previsão do crime de tortura através do disposto em seu artigo 1º., incisos, alíneas e parágrafos :

"Art. 1º. - Constitui crime de tortura:

I- constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;

b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;

c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

§ 1º. - Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança, a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal".

A Lei 9.455/97 também prevê no artigo 1º § 6º que o crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
A lei também prevê um crime específico para as autoridades que se omitirem diante das práticas acima elencadas (art. 1º., § 2º., da Lei 9455/97), com pena de detenção de um a quatro anos. Com a regulamentação da Lei 9455/97, o vazio jurídico relacionado a Tortura, acabou sendo resolvido, com uma definição detalhada do crime de tortura.Tal normativa, satisfez o Princípio da Legalidade e operadores do direito.
A tortura também está incursa no Artigo 2º I e II da lei de crimes Hediondos da qual acresceu-se ser a tortura vedada a concessão de indulto. (observação Tortura é delito grave, mas não é crime hediondo). É delito equiparado a crime hediondo.
Em 2013 foi sancionada pela Presidente Dilma a nova Lei de Combate e Prevenção a tortura no país, a Lei 12.847/2013 que “Institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; cria o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; e dá outras providências”

segunda-feira, 3 de março de 2014

A possibilidade (ou não) de processo envolvendo crime de homicídio ser iniciado e ter prosseguimento sem cadáver Leia mais: http://jus.com.br/artigos/21320/a-possibilidade-ou-nao-de-processo-envolvendo-crime-de-homicidio-ser-iniciado-e-ter-prosseguimento-sem-cadaver#ixzz2uuT4AEbf


No (suposto) crime de homicídio praticado na (suposta) vítima Eliza Samudio, que teria (supostamente) o envolvimento do ex-goleiro do Flamengo, Bruno, existe ou não a possibilidade de processo e julgamento sem a existência de um cadáver?
Um caso que tem gerado enormes debates na imprensa ‘leiga’ (aquela não voltada especificamente para assuntos jurídicos) diz respeito ao processo envolvendo o (suposto) crime de homicídio praticado na (suposta) vítima Eliza Samudio, que teria (supostamente) o envolvimento, dentre outros, do conhecido jogador de futebol, o ex-goleiro do Flamengo, Bruno.
O objetivo do presente texto é analisar a possibilidade (ou não) de um crime de homicídio ser processado e julgado sem a existência de um cadáver, evidentemente que analisando apenas e tão somente o que consta da Lei, sem qualquer vinculação a este (ou qualquer outro) caso concreto.
O Código de Processo Penal, de maneira impositiva, é claro ao dispor no artigo 158:
“Art. 158 – Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”.
O crime de homicídio é um exemplo claro de aplicação deste dispositivo, haja vista que, regra geral, deixa, por exemplo, sangue e cadáver visíveis, aptos à produção da referida prova.
No caso, estamos diante de uma hipótese de prova taxada outarifada, ou seja, aquela em que a decisão do magistrado deverá necessariamente estar ligada ao valor imposto pela Lei, sob pena, via de regra, de nulidade absoluta:
“Art. 564 - A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
(...).
III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:
(...).
b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no Art. 167”;
A consequência é evidente: a Lei, determina, estabelece, impõe, não dá margem a qualquer dúvida ou interpretação: ocorrerá a nulidade da persecução criminal na falta desta.
Ocorre que o próprio Código de Processo Penal, nos casos de crimes que deixam vestígios, expressamente, estabelece que quando estes últimos desaparecerem, o exame de corpo de delito pode ser suprido, apenas e tão somente por um único meio de prova, qual seja,a testemunhal (CPP, arts. 167):
“Art. 167 - Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haver em desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”.
Em outras palavras, não sendo possível a realização do corpo de delito por haverem desaparecido – e não por não terem sido realizados em prazo adequado – a prova testemunhal poderá, então, suprir tal hipótese.
O que muitas vezes se verifica na vida prática, é que sob o errôneo, equivocado e frágil argumento da mera existência de testemunhas no caso concreto,aliadas muitas vezes a uma confissão inquisitorial do acusado (não ratificada em juízo, pois muitas vezes existem indícios sérios de tortura na fase policial),bastaria para        o prosseguimento da ação penal e até mesmo eventual condenação, sob o fundamento de que o artigo 167 do Código de Processo Penal estaria atendido.
Em nosso entendimento, entretanto, nunca, jamais, em tempo e momento algum, tal linha de raciocínio pode prevalecer, uma vez que a real intenção do artigo 167 do Código de Processo Pena         lé         o          pleno – e não um mero e formal – suprimento da regra geral (CPP, art. 158).
O que muitas vezes se verifica – em especial no meio policial – é a existência das chamadas ‘testemunhas de assinatura’, ou seja, aquelas não presenciaram o fato criminoso, que não raras vezes absolutamente na dasa bem da investigação, e apenas estão presentes para ‘ratificar’ a assinatura do indiciado no ato da confissão inquisitorial.
É mais que evidente, entretanto, que tal situação não pode, sequer em tese, ser considerada válida para os fins doartigo167doCódigodeProcessoPenal.
É que além de não suprir a exigência legal, a situação ainda procura, de maneira muito nítida, burlar justamente o que o artigo 158 do mesmo Diploma busca afastar: que apenas a confissão sustente a persecução penal.
Em outras palavras, não basta que as testemunhas nada saibam de concreto sobre o fato e / ou façam referência apenas e tão somente à confissão, pois, neste caso,ocorrerá ilegal e lamentável desrespeito (indireto) a expresso mandamento legal (CPP, arts. 158, 167 e 564, III, ‘b’).

Textos relacionados

É absolutamente imperioso, para a correta interpretação da exceção legal, que as testemunhas tenham sido presenciai sao fato, merecendo destacar o respaldo doutrinário do eminente FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (“Código de Processo Penal Comentado”, 12ª ed., fl. 532/533, 547/549 ed. Saraiva, 2009):
“Corpo de delito. Exame: direito e indireto. (...).
Se duas ou três pessoas viram, no rio Amazonas, alguém decepara cabeça de outrem, não há dúvida que ocorreu um homicídio. Mas, como proceder ao exame, se as águas levaram o corpo de delito? Nesse caso, relatando as testemunhas o que viram, estará feito o exame indireto. É preciso, contudo, que elas tenham visto os vestígios. Se por um acaso não se fizer o exame, direto ou indireto, anulidade é tão grande que fulmina todo o processo, nos termos do art. 564, III, ‘b’ do CPP. Se faltar o exame direto, lança-se mão do indireto, como salienta o art. 564, III, ‘b’ do CPP. Mas senão houver  nem um nem outro, a nulidade é absoluta. (...). Quis e quer dizer o legislador que a ausência do exame direto de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios carreta nulidade a menos que se proceda ao exame indireto... (...)”.
(...).
Exame de corpo de delito. (...) é necessariamente indispensável. E a tal ponto chega essa indispensabilidade que o art. 564, III, b, do CPP diz que haverá nulidade se não for feito, nesses crimes, o exame de corpo de delito, ou, na impossibilidade, quese observe,ao menos o disposto no art. 167. (...) o denominado exame indireto de corpo de delito, realizado por outros meios, notadamente pela prova testemunhal. Nesses casos, é preciso que a testemunha informe sobre o que efetivamente viu, para que se possa, assim, suprir o exame direto de corpo de delito. Não é o fato de dizer que viu a vítima  entrando neste ou naquele local, onde possivelmente estava ao acusado, não é o fato de afirmar ter sabido da própria vítima o que aconteceu, que constitui o exame indireto. A autoridade não está investigando se a vítima foi ou não neste ou naquele local, se disse ou não o que com ela aconteceu. Simplesmente vai indagar da testemunha se ela viu o corpo de delito, isto é, os vestígios materiais deixados pelo crime. (...),se viu a vítima ensangüentada ser jogada no mar, ou situações semelhantes (...)”.
O festejado magistrado paulista GUILHERME DE SOUZA NUCCI em seu autorizado magistério doutrinário (“Código de Processo Penal Comentado”, 8ª ed., pág. 364/365, 377/378, ed. RT, 2008) é no mesmo sentido:
“4. Diferença entre exame de corpo de delito e corpo de delito: (...).No artigo em comento exige-se, para a infração que deixa vestígios, a realização do exame de corpo de delito, direto ou indireto, isto é, a emissão de um laudo pericial atestando a materialidade do delito. Este laudo pode ser produzido de maneira direta – pela verificação pessoal do perito – ou de modo indireto – quando o profissional se serve de outros meios de provas. (...). O exame de corpo de delito é sempre produzido por peritos, de maneira direta ou indireta, como já abordado. O corpo de delito, no entanto, pode resultar de forma direta ou indireta. (...). Quando o cadáver se perde, contando-se com a mera narrativa de leigos que, de longe, viram o réu desferindo tiros na vítima, por exemplo, caindo o corpo no mar e perdendo-se, há a prova indireta da ocorrência da morte. É o corpo de delito indireto (...).
(...).
5. Confissão e corpo de delito: a lei é clara ao mencionar que a confissão do réu não pode suprir o exame de corpo de delito, direto ou indireto. A única fórmula legal válida para preencher sua falta é a colheita de depoimento de testemunhas, nos termos do art. 167 (...). Como já se mencionou, trata-se de um tema desenvolvido com especial cuidado pelo legislador, tendo em vista as inúmeras razões que podem conduzir uma pessoa a confessar falsa ou erroneamente, colocando em grave risco a segurança exigida pelo processo penal. Assim, se o cadáver, no caso do homicídio,desapareceu, ainda que o réu confesse ter matado a vítima, não havendo exame de corpo de delito, nem tampouco prova testemunhal, não se pode punir o autor. A confissão isolada não presta para comprovar a existência das infrações que deixam vestígios materiais.
(...).
39. Alternativa do exame do corpo de delito: (...) pode           ser que os vestígios tenham desaparecido (...). Nessas situações, (...) quando o cadáver é perdido por qualquer causa (...), inexistindo possibilidade dos peritos terem acesso, ainda que indireto ao objeto a ser analisado, pode suprir o exame de corpo de delito por testemunhas.Pessoas podem narrar ao juiz que viram, v.g., o momento em que o agente desferiu tiros na  vítima e esta caiu em um despenhadeiro, desaparecendo nas águas do oceano. Baseado nisso, forma-se a materialidade do homicídio, permitindo-se, então, a punição do réu. (...) O que não mais se admite é a concretização da prova da existência do delito unicamente pela confissão - que, no passado, muitos transtornos já causou, como está registrado pelo célebre caso dos irmãos Naves (...) – ou por meros indícios, sempre frágeis e inconsistentes para esse tipo de prova (...).
(...).
39-B. Cautelas na formação do corpo de delito indireto: a autoridade policial, ao receber a notitia criminis, não mais sendo possível a realização do exame de corpo de delito, em face do desaparecimento dos vestígios, ‘deverá, então, certificar-se da existência de testemunhas do fato investigado, isto é, de pessoas que o tenham presenciado (...)’ (Rogério Lauria Tucci, Do corpo de delito no direito processual penal brasileiro)”.
Evidente, portanto, que não basta       uma      mera     existência ‘formal’ de    testemunhas para os fins do artigo 167 do Código de Processo Penal, sendo absolutamente imperioso, para os fins legais, que ocorra o concreto suprimento, ou seja: impõe-se que a prova testemunhal seja presencial aos fatos.
Apesar de não ser objeto central deste texto, entendemos adequado apresentar algumas breves linhas sobre o(s) meio(s) mais adequado(s) para buscar o reconhecimento do referido constrangimento ilegal acima mencionado.
Na hipótese de Defensor atuando desde a fase de inquérito policial, nada impede que seja requerido o trancamento do procedimento administrativo por meio de habeas corpus junto ao magistrado competente, pois se é certo que cabe ao Estado investigar / denunciar crimes, não menos certo que deve existir o respeito ao mandamento legal desde o início.
No caso de  existir denúncia oferecida, o mais correto(e célere, evitando desnecessário trabalho) será o Magistrado sequer oportunizar vista à Defesa, rejeitando desde logo a inicial acusatória, tendo em vista ‘faltar justa causa para o exercício da ação penal’ (CPP, art. 395, III).
Se por um absurdo – mas é o que infelizmente ocorre na prática – o Magistrado receber a denúncia e determinar a citação do Indiciado, perfeitamente possível            a impetração de habeas corpus perante o Tribunal competente para sanar tal lamentável ilegalidade.
Se por mais absurdo ainda ocorrer prolação de decisão de pronúncia, caberá à Defesa, conforme o caso, a impetração de habeas corpus ou o recurso em sentido estrito.
Neste ponto, e caminhando para o final deste texto, destacamos ser plenamente possível a utilização do writ constitucional citado para o reconhecimento do constrangimento ilegal, desde que não se faça o reexame de fatos, mas sim a revaloração da conclusão, o que é perfeitamente possível e aceito pela jurisprudência (STF, HC 91.585, rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 98.197, rel. Min. EROS GRAU – RHC 92.430, rel. Min. MARCO AURÉLIO).
Sendo assim, se é certo, que é possível um processo criminal relativo a homicídio ter prosseguimento sem um cadáver encontrado, podendo a materialidade ser suprida pela prova testemunhal, não menos certo que esta última deve existir de maneira apta e concreta, ou seja, ser presencial ao fato, sob pena sob pena de desrespeito a expresso mandamento legal (CPP, arts. 158, 167 e 564, III, ‘b’), e, consequentemente, faltar justa causa para a persecução penal (CPP, art. 648, I), sanável por meio de habeas corpus.